“O submersível implodiu“. Posso nunca ter descido até as profundezas do oceano, mas a imagem que me vem à cabeça é cristalina. A facilidade que tenho para escorrer para dentro da cena, entrar pelas frestas, não me espanta mais. Assim que tomei consciência da força da pressão do oceano, essa se tornou uma das coisas mais assustadoras a povoar meu imaginário. Não por acaso escrevi um livro inteiro sobre isso.
Fecho os olhos e consigo ver o submersível colapsando para dentro de si mesmo, como um copinho de isopor esmagado por uma mão gigante, de dedos bem grossos. A pressão devora todo e qualquer espaço vazio. Quantos orifícios cheios de ar existem no corpo humano?
“Tem um limite em algum lugar. Só podemos aguentar certo nível de pressão antes que o submarino seja esmagado“, a fala vem de um filme alemão de 1981. O personagem espreme a palma de uma mão contra a outra, com força, para ilustrar suas próprias palavras. Em Das Boot, essa força invisível do oceano se torna palpável em imagens.
A história é sobre um submarino da marinha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. É fácil torcer para que eles se fodam muito. Que os submarinos inimigos os encontrem e os bombardeiem. Ou que o submarino ceda à pressão do oceano. Ou que eles fiquem sem ar. Que não sobrevivam. O filme leva minha mente para carcaças hipotéticas que hoje devem repousar em algum lugar do assoalho oceânico, tumbas de metal cheias de corpos de nazistas.
O problema é que o filme te confina junto com esses caras. Faz o espectador fazer parte da tripulação, circulando nesse espaço minúsculo por semanas, onde eles enlouquecem juntos, fugindo de ameaças que eles não podem enxergar, a não ser com os sons. É um cenário muito angustiante de se estar, com a pior companhia possível. E então o filme mostra que pode ser ainda pior. Quando o submarino, um trambolho de metal projetado para resistir a poucas centenas de metros de profundidade, precisa descer mais.
Você ouve os estalos na carapaça metálica que os envolve. 200 metros. Os tripulantes imersos em um silêncio de tensão, suor escorrendo do rosto. 210 metros. O ponteiro descendo perigosamente até os números em vermelho. 220 metros. A estrutura começa a tremer. 230 metros. Os parafusos de metal não resistem à pressão e começam a se soltar, um por um, como rolhas de champanhe. Não: com a força de tiros, que começam a atingir os tripulantes, abrindo rombos na carne. Um tiroteio do lado de dentro do submarino. É o próprio oceano abrindo fogo.
A história do submersível que implodiu enquanto tentava fazer uma visita aos destroços do Titanic deixou todo mundo obcecado por dias. Tenho medo do fascínio que essa história exerce, inclusive sobre mim. Dizem que os tripulantes que estavam dentro da cápsula não devem ter sentido dor. Não devem ter tido tempo de sufocarem — o que me parece algo mais brutal de imaginar do que um alívio. Talvez os tripulantes não tenham tido tempo sequer de perceber o que estava acontecendo, até tudo terminar em um zumbido infinito — o vazio de seus ouvidos sendo esmagados pela pressão do oceano.
Com Corina, a protagonista do meu livro, tive a chance de visitar o oceano na companhia de uma espécie de Ícaro invertido, que teima em alcançar esse lugar perigoso além do limite, esse ponto onde não dá mais. Em vez de ir para perto demais do Sol, vai para longe demais dele, lá embaixo, onde a luz não alcança. Não somos bem-vindos a três mil metros de profundidade, ela me lembra.
Ir mais fundo sempre custa caro demais.