Curioso como a Roupa Mais Bonita do armário acaba sendo condenada a ser usada menos vezes. A roupa que me faz sentir bonita, o figurino que me cai bem, que mostra o melhor de mim: essa guardo para os momentos especiais. Ou guardava. Tento me desfazer dessa ideia meio besta, que é ter medo de gastar. Quando vai vir o momento especial, afinal? Na espera por esse momento, a Roupa Mais Bonita fica esquecida no armário, como o melhor jogador do time esperando para sempre no banco de reservas.
Ouço Viviane Mosé dizer que as palavras são as roupas que vestimos. Faz sentido. Às vezes nos pegamos pensando “estou sem palavras”, enquanto encaramos um armário cheio delas. Por que o medo de usá-las? De tirá-las das gavetas e fazer combinações inusitadas, misturando palavras de tecidos diferentes?
Deixamos as palavras mais bonitas guardadas, com medo de gastá-las. Como se só fosse possível vesti-las nos momentos especiais, sob o risco de parecermos excessivamente bem-vestidos em uma ocasião corriqueira, cotidiana. Amor é uma delas. Uma palavra cintilante, como um vestido de gala que se deve reservar para o dia de receber um Oscar. Alguns temem usá-la em vão, como se fosse o próprio nome de Deus. Sagrada, digna de fogos de artifício e trompetes, o clímax da Nona Sinfonia de Beethoven.
Talvez por isso o medo de usá-la nos dias normais e parecer brega. Um exagero. Mas assim é o amor: maior do que a palavra que o contém. Por isso se derrama para outras palavras, se disfarça em outras frases, em gestos banais, esses dos quais o cotidiano é feito.
Se for espiar por trás das letras, dos sons, dos signos e chegar no miolo da linguagem, vai ver que amor não é algo, mas um movimento. Um se deslocar em direção ao outro. É o destino que se tenta alcançar, é o caminhar juntos. É o impulso de alcançar, de vencer as distâncias, ainda que alguma sempre vá existir. É o movimento que dá sentido a todas as outras palavras, se linguagem a gente usa justamente para se estender em direção ao outro. O amor fez o verbo. E os adjetivos. E os espalhafatosos advérbios. Até as preposições, principalmente elas, criando relações entre uma coisa e outra. Entre eu e você.
“Um dia seremos desbotados esquecimentos. E daí? Já dormimos de mãos dadas. Aprendi que ser sovina com amor é burrice. Hoje digo ‘eu te amo’ com a insana alegria dos perdulários.” Leio no blog da Luciana Nepomuceno e fico mais convencida que amor é roupa bonita demais para ficar guardada no armário. Generosa, ela não é do tipo que se gasta. Palavra que pede uso diário, não só no dizer, mas na prática. Amor é movimento, só faz sentido quando em exercício.
Quanto mais se pratica, mais fica claro o que a palavra quer dizer. Olho para uma foto nossa no trem e vejo nela todas as distâncias que já percorremos. É incrível o quanto podemos ir longe se temos o amor do outro para nos puxar ou empurrar. Puro impulso. Simplesmente vamos, sem pensar nos poréns. Amar nos faz ter menos medo. Mais um motivo para usar sem moderação.