Caracol impaciente

texto originalmente publicado em setembro de 2020, na edição n.67 da minha newsletter, durante o primeiro ano da pandemia de COVID-19


Não sei muito bem o que responder quando me perguntam “como você está?”. Vou dizer o quê? Que como 12% da população brasileira, não tenho saído de casa, nem visto ninguém? Que no campo dos acontecimentos extraordinários da minha vida está tudo mais ou menos como estava 5 meses atrás: em suspensão?

Quem mandou trabalhar com jardinagem? No meu trabalho, as coisas também demoram a acontecer, exigem colocar as mãos na terra, cavar muito, investir enormes quantias de esforço e paciência. Imagine a força que um broto precisa fazer para romper a terra. Por isso acontece tudo devagar demais. Então vem a pergunta “como estão as coisas” e eu fico meio: sem grandes novidades, sabe como é, continuo esperando as folhas brotarem.

Escrever é trabalhar num jardim. E eu sou um caracol. Recolhida dentro de mim, embrulhada em várias camadas de isolamento: o cobertor, a blusa de frio, a porta de casa, a quarentena, a máscara. Debaixo de tudo isso, o isolamento de estar sozinha na concha da minha consciência.

O pior é que não basta ser um caracol, sou um caracol impaciente. Um caracol que se irrita por se perceber tão lento. Que se irrita com a vagareza dos processos, com a lentidão das respostas, com os atrasos. Um caracol movido a cafeína, a cumprir prazos, um caracol que morre de medo de estar perdendo tempo ou de estar indo devagar demais. Um caracol impaciente com o que falta, em mim e nos outros.

Não recomendo ser um caracol que odeia esperar.

Fotografia da artista Aleia Murawski.

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