Ilusionismo

Estou obcecada com o trabalho de Bo Burnham. Assisti ao seu especial de comédia Inside, disponível na Netflix, e fiquei maravilhada com o fato de ele ter gravado e feito tudo sozinho: escrever, dirigir, atuar, tocar piano, filmar, cantar. Meu tipo de artista. Nos estúdios de Bobagens Imperdíveis também é assim.

Além de tudo, o especial foi produzido durante o período de isolamento da pandemia. Sem público, sem equipe, apenas ele e suas máquinas.

O texto faz humor tocando em várias feridas muito familiares para mim: tira sarro de várias situações sobre produzir arte para a internet, sobre os níveis acachapantes de solidão que a pandemia nos apresentou e sobre as relações que mantemos mediados pelas telas.  

Certo que ter acesso a bons equipamentos tem um peso grande na obra. Quanta coisa massa dá para criar com um projetor, um punhado de câmeras, bons microfones e um teclado eletrônico, hein? Mas sem criatividade para manejar as máquinas, equipamento serve de muito pouco. O principal instrumento do fotógrafo não é a câmera, mas seu olhar. E o olhar de Bo é afiado, inclusive sobre si mesmo: conta muito sua experiência como youtuber desde 2006, quando era apenas um moleque fazendo graça em um Youtube que também era um bicho muito diferente do que é agora.

O que mais me encantou e é um espetáculo à parte é seu domínio de iluminação. A luz protagonizou: transformou a mesma sala de casa em uma infinidade de cenários diferentes, evocando referências que vão de cristianismo a desenhos da Disney e clipes dos anos 80.

Brincando com as cores e projetando luz sobre o próprio corpo, Bo serviu estética e também camadas de significado para o texto que construiu. Até a luz conta histórias.

Bo Burnham não é só um comediante não. É um ilusionista. 

Ilusionismo de fazer parecer que ele é uma blogueirinha branca. Ilusionismo de simular ventriloquismo. Ilusionismo de dobrar o tempo e conversar com versões do passado ou do futuro de si mesmo.

Ilusionismo de evocar plateias, de simular transmissões na Twitch, de criar video-games com o corpo, de criar clipes inexistentes de George Michael sobre sexting. Ilusionismo de fazer o mesmo quarto de paredes brancas se parecer com uma infinidade de cenários diferentes ou com um palco da Broadway.

Ilusionismo de fazer parecer que ele está do outro lado da tela, conversando com a gente, passando sabão e um rodinho no avesso do nosso monitor, quando estamos, na verdade, assistindo tão sozinhos quanto ele.

Minha música favorita do musical de um homem só

Texto originalmente publicado na edição #85 da newsletter Uma Palavra, de julho de 2021. Assine grátis para receber as próximas edições no seu email: