Quase comprei um anel de luz, mas não tenho paciência para fazer pesquisa de consumo, ir atrás de preço, de melhores marcas, de entender de qual potência preciso, para garantir que esse novo objeto responda a uma porcentagem maior do meu problema atual que é casa escura demais para fazer videoconferência à noite. Receber gente em casa com essa luz era acolhedor, mas nem falemos dessa realidade antiga, se a realidade nova é ficar frustrada com compras online e querer estar minimamente apresentável para as visitas que recebo na minha tela, pelo menos.
Foi um fim de semana de assistir filmes massa, depois de sair daquela loucura de assistir Mad Men diariamente. Troop Zero: filme fofo do caralho, terminei e eu estava encharcada. Tem escoteiras, espaço sideral, David Bowie, fotografia lindíssima, um casting incrível e Viola Davis entregando um cosmos de sentimentos em cada micro-expressão. O outro, The Forty-Year-Old Version, é de uma dramaturga do Harlem, prestes a fazer 40 e com muito ainda a resolver na vida. Está tentando produzir uma peça sobre gentrificação, mas no meio decide que quer mesmo é ser rapper e mandar umas rimas sobre os problemas que enfrenta na sua realidade: dor nas costas e dificuldade para pagar o aluguel. Contando que é um filme de 2 horas todo em preto e branco, nem parece que é envolvente e engraçado, mas é demais.
Entretenimento na tela, trabalho na tela, relações na tela, me sinto até emoldurada. Não posso ver uma superfície emitindo luz que EBA lá vai meu olhar escorrer pra ela. Talvez por isso eu esteja querendo que a casa fique mais iluminada, diminuir esse contraste entre o ambiente das telas e do espaço em torno delas.
Resolvi uma história na qual estou trabalhando quando me enxeri a ouvir conversa alheia. Os meus bloquinhos de Tetris mental todos se alinharam, uma beleza. Sentei e escrevi igual uma desgraçada para registrar as ideias todas. Meu deus, quanto texto é preciso escrever para pavimentar o caminho até uns três ou quatro bons parágrafos. Apresentáveis.
A mente aqueceu de um jeito que não bastasse resolver essa história, invento de escrever no blog e começo a jogar essas palavras em outra tela, digitando pelo teclado do celular, só para variar e sair um pouco do computador. Precisava arrumar ânimo para voltar a pensar com o corpo, e sentir meus músculos tão aquecidos quanto esse fluxo de palavras que a cabeça vai encaixando uma após a outra, ainda que não saiba onde elas vão parar.
Os vizinhos da frente voltaram a receber visitas, ouço vozes no corredor.
Todo dia tem um cardápio de tretas na internet para pedir por delivery, mas nenhuma me apetece. Acho inacreditável quanto tempo o internauta passa dando atenção para uns completos filhos da puta; todo dia um diferente nos Assuntos do Momento. Todo mundo careca de saber que raiva mobiliza e tem gente lucrando pesado com isso, mas pode ter agressor de mulher em reality show no canal do bispo, que vão dar audiência do mesmo jeito. Não dou conta de consumir histórias de violência contra a mulher como entretenimento, nem nessa forma de entretenimento que o jornalismo se tornou. Mas quem sou eu para julgar? Afinal, aqui estou mais um dia, sob o olhar sanguinário do algoritmo.
Vai ver envelhecer é ir cansando de engajar nas polêmicas, feito hamster fazendo a roda da internet girar, e virar a pessoa que morre de preguiça e só senta na margem esperando passar algum anúncio de ring light num preço bom, porque se tiver pelo menos uma vantagem de habitar essa distopia cibernética onde estuprador tem sempre audiência garantida, é esperar o algoritmo fazer seu trabalho e me indicar um produto que vou poder comprar sem pesquisar ou pensar demais. Tá bom por hoje.