Achei oportuno publicar aqui um trecho do meu texto “A narrativa da volta por cima”, escrito em agosto de 2016 e publicado no meu livro Bobagens Imperdíveis para ler numa manhã de sábado. Este texto foi a minha tentativa de propor um pensamento alternativo à lógica da qual não conseguimos escapar: por que tendemos a dar mais audiência para quem já tem muita audiência?
Num país de escala continental, conseguir um alcance amplo é muito difícil e um feito para poucos. A lógica da mídia de massa também tem a ver com isso: acabou criando uma realidade em que só quem consegue reunir milhões de pessoas consegue atrair os recursos.
Para viver de livros, é preciso vender milhões de exemplares. Para viver de Youtube, é preciso ter milhões de espectadores. Para viver de esporte, é preciso que seja o esporte favorito de milhões de torcedores.
É essa a nossa tendência natural: ajudar a aumentar o que já é grande, dar atenção a quem já tem os holofotes. Afinal, quem é que não gosta de consumir sucesso? Ou talvez seja apenas uma questão matemática: o que já é grande, tende a ficar maior; o que é popular, tende a ser mais popular. Números grandes atraem números maiores.
Dessa forma, é claro que só poucos conseguem. Porque talento e esforço podem ser infinitos, mas recursos são sempre limitados.
Em um país tão grande e tão cheio de possibilidades, porque só quem consegue chegar a este patamar quase inacessível consegue o apoio, a atenção, o investimento?
fotografia: Prue Stent
O Brasil tem potencial de ter espaço para todo mundo, em diversas áreas.
Aqui temos gente o suficiente para criar um bom público para o futebol feminino, ou para o basquete, ou para qualquer modalidade esportiva, para qualquer gênero artístico, apenas com PARTE da população brasileira. E nem precisa ser uma parcela tão expressiva, considerando que o Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes. Uma pequena fração disso é maior do que a população inteira de muitos países.
Por isso tenho acreditado cada vez mais na ideia de pequenas comunidades.
Pode ser ingenuidade ou excessivamente utópico, mas penso que pode ser possível uma realidade em que não é preciso ter um alcance gigantesco para conseguir conhecimento e recursos.
Nesse cenário, o envolvimento e comprometimento de determinada comunidade com os atletas, artistas e pesquisadores de seu meio é tão forte que garante que seus trabalhos sejam valorizados e consigam uma boa estrutura para continuar trabalhando sem precisar “dar a volta por cima”, porque, com esse apoio, nunca estiveram na merda, abandonados, para início de conversa.
É parar um cadim de olhar para a vitória, para o curto prazo, para o sucesso imediato e para os fenômenos relâmpagos e pensar no crescer juntos.
Não dá para depender da mídia de massa ou de quem concentra os recursos para transformar esse cenário. Mas dá para começarmos a nos perceber como parte de uma comunidade com interesses e objetivos em comum. De um coletivo que até pode ser menor do que uma nação, mas cuja grandeza está justamente no fato de ser feita de gente que busca crescer em conjunto.
Que comunidade é essa? De que forma estamos contribuindo para ela crescer — não em quantidade, mas em qualidade? Quais são os talentos dessa comunidade que merecem nosso apoio?
É uma questão de mudança de posições. Porque talvez o movimento que precisamos fazer não seja melhorar de baixo para cima; mas de dentro para fora.
Vale olharmos mais para nós. Para quem está do nosso lado. E perceber que valorizar quem faz parte da nossa comunidade não é exaltar quem está no topo para que continue cada vez mais alto, mas apoiar as pessoas que vão crescer conosco.
Bobagens Imperdíveis para ler numa manhã de sábado, coletânea de crônicas para pensar em assuntos da atualidade em uma leitura rápida que se encaixa nas frestas do seu dia.