Pintura de Raja Ravi Varma
Se ainda não te decepcionei, é porque ainda não tive tempo.
Inevitável alguma frustração envolvida nesse negócio de se relacionar com pessoas.
Como naquelas máquinas de garra de pegar ursinhos: você insere moedinhas, controla a situação com muito cuidado, mira no bichinho de pelúcia mais maneiro do aquário, consegue agarrá-lo, ele resiste, quando parece que ele está seguro, fica preso em outro, você tenta fazer um movimento sutil, acaba sendo forte demais, você perde o bichinho, a garra volta para o lugar e não te traz nada.
Sei lá se é um bom exemplo, nunca joguei numa máquina dessas. Já sei que vou me frustrar, nem tento.
Se fosse fazer isso nas minhas relações, lascou. Não ia me relacionar com ninguém. Arriscado isso de investir tempo, afeto e energia para se envolver com pessoas que são, por default, falhas, limitadas, às vezes contraditórias, muitas vezes apenas perdidas, confusas.
Como isso também me descreve perfeitamente, sei que não estou em condições de cobrar qualquer coisa.
Que tive notícias, já decepcionei quando descobriram que não sou a boazinha que pareço ser. Que tenho meus interesses próprios (é, tem quem se surpreenda) ou que minhas prioridades não envolviam a pessoa decepcionada em questão. Algumas vezes, quando eu disse um “não”. Outras, quando não disse nada.
Às vezes, vi a decepção no olhar daquela pessoa que esperava que eu fosse diferente, especial. Que eu tivesse algo mais para apresentar. Que eu me comportasse mais como a ideia que ela tem de alguém “famoso”, ou com a ideia que ela criou pelos fragmentos que deixei online (redes sociais não são a pessoa).
Sei o custo de não me adequar às expectativas. Mas o custo de cumprir com elas é ainda maior: quanto mais “perfeição” alguém entrega, mais “perfeição” irão cobrar. Viver assim é estar sempre a um dedão do pé de distância do precipício da decepção. O tombo vem, uma hora ou outra.
Se eu já te decepcionei: sinto muitíssimo. Foi mal, mesmo. Mas não te prometo nada. Você que crie menos expectativas da próxima vez.
“Acho que é terrivelmente perigoso para um artista atender às expectativas de outras pessoas. Geralmente produzem seus piores trabalhos quando fazem isso. Se você se sente seguro na área em que você está trabalhando, você não está trabalhando na área certa. Sempre vá um pouco mais adiante na água do que você sente que é capaz de ir. Quando você sente que não consegue tocar o fundo com os pés, você está justamente no lugar certo para fazer algo realmente empolgante.”
– Conselho de David Bowie para jovens artistas.
Texto originalmente publicado em maio de 2019, na edição #41 da minha newsletter. Assine grátis para receber as próximas edições no seu email: