quando morre um escritor, um relógio gigante desperta.
ele passou o bastão. ela deixou o palco.
fica um espaço vazio que serve como chamado. um despertador: ninguém, nem as gigantes, nem os gênios, terão todo o tempo do mundo para escrever tudo o que poderiam. o artista só pode produzir enquanto está vivo.
o tempo está passando.
o silêncio que faz um escritor quando morre é do tipo que amplifica o som dos nossos próprios ponteiros, ensurdecedores como mísseis, aproximando-se do fim.
uma vez me disseram que um autor só começa a ser compreendido depois que abandona a existência. “veja belchior, as letras nunca fizeram tanto sentido quanto agora!”. ou david bowie, que fez a gentileza de nos deixar blackstar dias antes de voltar para o espaço. ou van gogh.
eu não acho justo. do que adianta ser compreendido quando já não se está? a eternidade deve ser um lugar solitário.
não adianta chorar o escritor morto, como escreveu biajoni:
“Em seu estúdio, entreaberta está a porta,
mas só há ausência lá, um espaço desocupado.
Nas estantes, porém, o escritor está físico
e ainda pode ser visto, apalpado e considerado.
No caixão, está amarelo e tísico,
e não há o que se chorar se ele ainda pode ser lido.”
lembro de um texto que escrevi em 2014, quando morreu suassuna:
“não morreram as histórias que tanto me fizeram rir e pensar. não morreu quaderna, aquele brilhante e amalucado dom quixote do sertão. não morreram seus amigos clemente e samuel, com seus hilários duelos de ideologias, esquerda versus direita. suassuna, tal qual um dom sebastião, voltará ressurecto para fundar seu reino fantástico toda vez que abrirmos uma de suas obras: o seu reino da escrita encantada.”
cortázar já nos precavia: “não tema, pois bem no fundo há a morte.”
penso no relógio gigante cada vez que morre um escritor que já me fez companhia. pensei com elvira vigna. toni morrison. suassuna. hoje, com rubem fonseca.
os livros que restaram na estante também sussurram: o tempo está passando.
mas talvez só sejamos capazes de realmente compreender a dimensão disso quando já não estivermos aqui.