Dá para imaginar o que Jards Macalé tinha em mente quando escreveu a letra de Vapor Barato (música que ficou conhecida na voz de Gal Costa e O Rappa); o ano era 1971, ditadura, exílio. Ouvir a música hoje parece evocar os mesmos sentimentos, as calças vermelhas e casaco de general ainda fazem sentido. Mas, mesmo nas repetições, algumas coisas mudam; algo na letra me faz pensar que, depois de tempos líquidos, vêm os gasosos. Tudo evapora antes que possamos construir uma narrativa sólida que nos ajude a entender. “Eu estou tão cansado, mas não para dizer que não acredito mais em você”.
Recorro à máquina para buscar respostas, mas elas se esgotaram. Em seu lugar, um carrossel de vídeos apressados para comentar as últimas polêmicas, os textos e análises correndo nos calcanhares dos acontecimentos, na tentativa de capturá-los antes que a memória evapore de vez. A máquina é movida a vapor, por isso precisa que nossos ânimos estejam sempre em contato direto com o calor. Damos nossa atenção, nossa energia criativa, nossa tensão, tristeza e raiva a troco de tão pouco, a troco de respirar um pouco desse vapor barato. “Eu não preciso de muito dinheiro, graças a deus”.
Concordo com a Taís Bravo. Depois de 2018, vai ser difícil escrever da mesma forma. E daqui vejo que escrever de forma reativa não é mais possível. Porque insustentável seguir a lógica de alimentar a máquina com mais e mais distrações ou raiva ou medo, alimentando o vício nos mesmos assuntos, deslocando a atenção para os mesmos lugares; mas sobretudo porque criaram todo um mercado baseado em nos fazer reagir e por isso faz todo o sentido seguir no caminho oposto, ainda que signifique ficar do lado de fora da festa.
“Eu vou embora, naquele velho navio.”
Proponho pausas; que o mundo acabe lá fora, mas que eu possa me aprofundar num assunto, estudar, coletar reflexões, ligar os pontos. Sem a urgência de escolher um lado, de formar uma opinião. Sempre foi meu objetivo ao escrever, mas faz ainda mais sentido agora. Quero trazer mais reflexões que respostas e tentar costurar as vozes e referências que vêm me atravessado.
A máquina tem estado no centro de boa parte das minhas conversas, leituras e pesquisas. Até mesmo das minhas justificativas para não fazer nada, deixar para depois. “A minha grande, a minha pequena, a minha imensa obsessão”. Já somos meio máquinas, afinal?
Texto originalmente publicado na edição #34 de Uma Newsletter, fevereiro de 2019.