Devoção à palavra

Por que alguém se sente compelido a escrever?

(…)

Há pilhas de cadernos que delatam anos de esforços abrotados, euforia esvaziada, passos incansáveis pelo chão. Precisamos escrever enfrentando miríades de lutas, como quem domestica um potro voluntarioso. Precisamos escrever, mas não sem um esforço consistente e não sem certa dose de sacrifício: para dar voz ao futuro, revisitar a infância e para dar rédea curta às loucuras e aos horrores da imaginação antes de oferecê-la a uma vibrante raça de leitores.

(…)

As coisas se movem devagar. Há um toco de lápis no meu bolso.

Qual a tarefa? Compor uma obra que comunique em vários níveis, como numa parábola, sem a marca da inteligência vulgar.

Qual o sonho? Escrever algo bom, que fosse melhor do que eu sou, e que justificasse minhas tribulações e indiscrições.

(…)

Por que escrevemos? Irrompe um coro.

Porque não podemos somente viver.

— Patti Smith, no livro Devoção (tradução de Caetano W. Galindo)

Patti Smith, Alemanha, novembro de 2019