“Eu sou do Mercado, não tenho tempo de morrer”, diz a figura engravatada do outro lado da mesa, após levar um tiro na cara e continuar a reunião.
Dos momentos inesquecíveis da peça-musical PRETOPERITAMAR, sobre vida e obra de Itamar Assumpção. Dirigida pela Grace Passô. Escrita por ela e Ana Maria Gonçalves. Projeto da Anelis Assumpção. Só gente grande, inclusive no elenco.
“Se a obra é a soma das penas, eu pago”, diz Itamar, artista independente, de vanguarda, para o representante do Mercado.
E ali enxerguei um pouco da minha própria luta, como artista independente tentando tomar decisões que favoreçam o trabalho que quero fazer. As coisas das quais tenho que abrir mão. Veio aquele sentimento de “era tudo o que eu precisava ver, ouvir” – ali na minha frente, a iluminação um arraso.
Itamar mandou avisar que não ia, que está muito melhor onde está agora. Mandou um cover em seu lugar (Fabrício Boliveira), que teve que aprender ao decorrer da peça a incorporar Itamar. Foi a Documentarista (Claudia Missura) quem deu as instruções. Você pode tentar aí da sua casa.
Tutorial para incorporar Itamar Assumpção:
- Pendure uma linha no peito e puxe-a para cima;
- Mantenha o olhar na mesma altura do outro, ou olhe de cima para baixo;
- Pescoço ágil;
- Ande como se a gravidade estivesse ao contrário.
Desde 2003, o artista vive recluso e solitário, em um lugar que é guardado a sete chaves pelos poucos conhecidos que ele ainda se digna a receber. Seus nomes também não podem ser revelados, a pedido de Itamar, para que os outros, os que ficaram de fora, não lhe questionem os motivos. Itamar nunca foi de dar satisfação. Nem às pessoas, nem à indústria fonográfica; o que fez dele o artista independente que ousou cantar, gravar e viver às próprias custas. Que ele me perdoe o clichê: foi um homem à frente do seu tempo. Em um tempo em que não havia internet para ajudar a quebrar o monopólio do capital. Pagou caro por isto: tornou-se um artista póstumo, como ele mesmo costumava dizer.
Ana Maria Gonçalves
Itamar
Nasceu no dia 13 de setembro de 1949 na cidade de Tietê, interior de São Paulo. Em 2019, portanto, ele completaria 70 anos de vida. Era bisneto de africanos escravizados, cresceu ouvindo os batuques do terreiro de candomblé no quintal de sua casa. Cresceu em Arapongas, no Paraná, para onde se mudou aos 12 anos. Chegou a cursar até o segundo ano d e contabilidade, mas abandonou a faculdade para fazer teatro e shows em Londrina (PR). Mudou-se para São Paulo em 1973 para se dedicar à música. Casou-se com Elizena Brigo e com ela teve duas filhas – Serena e Anelis – além da Celina, filha do primeiro casamento da Zena. Em vida lançou nove álbuns: Beleléu, Leléu, Eu (1980), Às próprias custas S.A (1981), Sampa Midnight (1983), Intercontinental, quem diria! era só o que faltava! (1988), Bicho de Sete Cabeças Vol I, II e III (1993), Ataulfo Alves por Itamar Assumpção – Pra Sempre Agora (1996) e Pretobrás Vol I (1998). Foram lançados postumamente Naná Vasconcelos e Itamar Assumpção – Isso vai dar repercussão (2004) e Pretobrás Vol II e III. Desde sua morte, em 2003, Itamar vem sendo reconhecido notoriamente como o principal nome da chamada Vanguarda Paulista e principal precursor do movimento da música independente no Brasil.
Texto do encarte da peça PRETOPERITAMAR, SESC Pompeia