E de repente te levarei a lugares obscuros

Papo cotidiano. Conversa com amigos. Em algum momento, solto algum comentário que sai com naturalidade, mas que cai no meio da sala com um estrondo.

Não queria, não planejei, aconteceu. Acabo levando a conversa para o lugarzinho das reflexões profundas, onde as pessoas ficam com o olhar perdido, de repente digerindo o peso do que acabaram de ouvir.

Penso: ai pronto, a poker face. Ganho de reação aquela cara que não sei ler muito bem; será que disse algo que as fez pensar? elas estão me ouvindo ainda, alô, alô? ou será que estão apenas achando inacreditável o tamanho da merda que acabei de falar?

(as pessoas continuam me convidando para os rolês, não devo dizer nada tão absurdo assim. Ou vai ver meu papel nesses encontros é ser a pessoa que fala as grandes merdas para as outras se sentirem menos doidas. Vai saber!).

Ou ainda: episódio de podcast para falar dos melhores discos do ano. Conversa bacana sobre música, falar de arte, bons trabalhos, álbuns que gostamos de ouvir. De repente, Aline falando de solidão, melancolia, suicídio. Termino minha lista de indicações com uma história trágica.

Ao me ouvir nesse episódio foi que percebi: ei, eu faço isso pra caramba.

Parece que vou contar uma história leve, divertida, cômica. No meio do caminho, pego alguma curva e vou parar em um lugar obscuro. Levo todo mundo para essas profundezas junto comigo. Não que lá embaixo as coisas sejam necessariamente tristes, mas certamente tem um peso maior. Como mergulhar. Quanto mais fundo descemos, mais a pressão aumenta ao nosso redor.

Não tenho medo do abismo, gosto de passear por lá; o problema é que esqueço que nem todo mundo gosta de fazer esse passeio.

Se faço isso tomando café com os amigos, imagina escrevendo. Pois é, só escrevo história trágica.

Mesmo aquelas que parecem mais leves, divertidas. Talvez especialmente elas.

Não tenho vocação para o otimismo, muito menos para finais felizes. Quem leu As águas-vivas não sabem de si sabe. Até as águas-vivas sabem.

Queria ter vocação para a comédia, para o humor. De verdade. Mas não consigo escapar da tragédia. Acabo voltando a ela da mesma forma que vou parar nos lugares dos meus sonhos: não sei como nem por quê, mas ali estou. Como se fosse o único lugar possível.

Quer dizer, até acho que escrevo sobre coisas engraçadas. Talvez tenho achado graça nos lugares errados. Ou vai ver minha vocação é para o humor da desgraça. Isso existe, não?

Acho o último romance que escrevi (ainda não publicado) bem engraçado, em muitos momentos. É uma história cheia de tragédias, reconheço, porque a vida real é feita delas, fazer o quê? Não era o caso de maquiar, fantasiar demais. Mesmo assim, há leveza. Mas talvez o que fique mais marcado seja o lado obscuro, pesado, da história. Pelo menos para quem já mostrei. Algumas poker face em resposta. E eu sem saber se essa reação é boa ou ruim.

A sensação é de ter contado uma piada que mais ninguém entende. Tem final mais trágico que esse? A solidão de um bobo da corte que se descobre sem graça nenhuma.

Por outro lado, há essa estranha percepção de entender meu lugar. Que não serei a pessoa que vai trazer esperança, o futuro é brilhante e calma pessoal que vai dar tudo certo! E tudo bem, porque existem outras pessoas que podem cumprir essa função. Eu seria péssima nisso. Minha função é outra: de repente te levar ao lugar das reflexões profundas, ao abismo da falta de respostas seguras, aos finais trágicos. Tudo gesticulando bastante, claro, com um sorriso no rosto de quem está de fato satisfeita em ser sua guia nesse passeio.

As pessoas que cavam buracos são tão necessárias quanto as que plantam os brotinhos.

Se continuam a me chamar para as conversas e a ler minhas histórias, é porque tenho espaço; não apesar do papel que acabo assumindo para mim, mas justamente por causa dele.

Posso abraçar cada vez mais esse papel, em vez de tentar ser outra Aline, mais agradável. Posso até oferecer isso como um serviço. Quem sabe? Contatos para shows, tratar aqui.



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