Contradições

Sinto saudade das pessoas. Não quero sair de casa.

Gosto de chuva. Prefiro não estar embaixo dela.

Não ponho açúcar em nada. Devoro leite condensado puro.

Tinha o cabelo grande. Reclamava que ele demorava para crescer.

Tenho o cabelo curto. Reclamo porque ele cresce rápido demais.

Sou cética. Se durmo sozinha, deixo as luzes acesas.

Rio de uma piada. Não entendi nada.

Estou de olhos fechados. Digo que não, imagina, não estou dormindo.

Tenho todos os motivos para sentir raiva de alguém. Deixo pra lá.

Não tenho nenhum motivo para sentir raiva de alguém. Vou ter birra da pessoa.

Não sei blefar. Minto para que não achem que estou na merda.

Tenho horror à ideia de que colegas do Ensino Médio me encontrem. Procuro o perfil deles na internet para ver como ficaram.

Dizem que sou leonina. Tenho pavor de ser o centro das atenções.

Escrevo sobre um tema. Sou incapaz de falar sobre ele.

Começo a fazer algo que gosto. Perco a vontade no meio do caminho.

Admiro alguém. Não concordo com muitas de suas posições.

Falo sobre auto-estima e auto-aceitação. Queria ser outra pessoa.

Não gosto de falar de mim. Acho uó quando a outra pessoa só quer falar dela.

Reclamo que não quero ir. Vou assim mesmo.

Digo que não vou conseguir. Sobrevivo.

Tô cansada de tudo. Digo que vai tudo bem.

Eu não me entendo. Não faço questão de fazer sentido.

Não tenho que fazer sentido.

Não tenho que.

Existir e fazer sentido são, afinal, as maiores contradições.

Fotografia: Thanun Buranapong.


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