Conta a história que o reino de Ndongo começou a ser invadido por homens brancos, muito bem armados e cheios de recursos, que iam explorando comunidades por onde passavam, prendendo pessoas e fazendo-as escravas para depois mandarem a uma terra muita distante chamada Brasil.
O rei da região, Ngola Mbandi (e seria o título de realeza Ngola que posteriormente daria nome a toda aquela terra), via a guerra e as tensões aumentarem à medida que os invasores avançavam. Estavam sendo subjugados. Com medo de mais uma derrota e na tentativa de negociar a paz com os portugueses, Ngola enviou a sua irmã numa missão diplomática.
Nzinga, era o nome dela. Nzinga Mbandi – e era um nome que os portugueses não esqueceriam tão cedo.
Então ela chegou à sala de conferências onde se daria a reunião com o governador de Luanda – o puto que estava teimando em invadir territórios de seu reino – mas no lugar só havia uma cadeira, destinado ao único branco presente, que parecia com isso estar tirando uma grande onda com a sua cara.
“Ah, mas eu vou sentar sim e vou sentar MUITO” – não disposta a levar desaforo para casa, Nzinga pediu para um de seus acompanhantes ficar de quatro e se fazer de cadeira – em cima do qual permaneceu divinamente sentada durante toda a conversa.
Uma troca, foi o que aconteceu: converteu-se cristã, recebeu de batismo nome português e cedeu abertura do seu reino ao comércio deles, desde que desistissem de construir em seu reino uma fortificação militar – onde, era sabido, aqueles homens aprisionavam escravos.
A boa vontade de Nzinga, no entanto, não foi a mesma dos portugueses. Os caras simplesmente cagaram para o acordo e continuaram seus intentos de construir um forte militar e dominar todo o reino Ndongo.
O problema é que os chefes de várias tribos passaram para o lado dos portugueses, o que começou a causar desordem e muitos conflitos no reino. Um desses chefes, tio de Nzinga, dirigia-se a Luanda para se submeter aos portugueses – mas como ela logo soube da traição, mandou decapitá-lo antes que chegasse à quebrada dos inimigos. Onde já se viu? Depois de tudo que ela tinha feito para negociar a paz, até ser chamada de DONA ANA?
“Mana, acho que você vacilou”, foi o que seu rei e irmão disse. Nzinga não gostou nada daquilo: Ngola estava hesitando diante dos invasores, não mostrava nenhuma disposição em punir os traidores e capaz que ele mesmo acabasse virando pau mandado dos portugueses.
Algum tempo depois, Ngola Mbandi morreu ~misteriosamente~. Envenenado, disseram.
Nzinga reclamou para si o título real, mas não seria assim tão fácil. Os portugueses não só não a reconheciam como rainha como tiveram a cara de pau de eleger um chefe mbundu, o Kiluanji II, como novo Ngola.
Agora o negócio ficava sério. Nzinga renegou a fé cristã, aliou-se a guerreiros jagas do oeste e começou a preparar-se para a guerra: não sossegaria enquanto não mandasse aqueles homens embora.
Assim que souberam da nova rainha, o povo mbundu (uma das etnias do reino) viu nisso uma oportunidade de libertação: os escravos aprisionados nas fortificações militares fugiam e iam engrossar o exército da rainha-guerreira – porque não bastava ser invocada, ela ia também para o campo de batalha.
Isso deixou os militares portugueses malucos. Eles queriam a cabeça daquela mulher de um jeito ou de outro e Nzinga passou a ser procurada e caçada. Em uma dessas ocasiões, a rainha acabou encurralada pelo exército luso na ilha de Kindonga.
Mas ela tinha um plano, porque não bastava ser perigosa, guerreira, era também estrategista. Mandou mensageiros para pedir uma trégua de três dias e, em seguida, ela estaria disposta a se render. Só depois dos três dias os portugueses se deram conta que foram enganados: “ó pá, a maldita Rainha Ginga já se escafedeu tem tempo!”.
Com um exército poderoso e com a adesão de mais chefes tribais, Nzinga acabou ocupando a parte oriental de Ndongo, tornando-se Rainha de Matamba.
Foi dali que acabou se aliando aos holandeses, quem sabe assim conseguia expulsar os portugueses? Bem, deu ruim. Os portugueses não só venceram a batalha como aprisionaram duas irmãs de Nzinga, quem sabe assim ela se rendia?
Foram décadas de luta, os portugueses e a rainha Nzinga.
Então ela finalmente foi morta pelos seus inimigos. Hmm, na verdade não. Foi encontrada e capturada? Também não. Lembre-se que o título desta história é “a incapturável”. Morreu heroicamente em batalha? Nada! Nzinga morreu velhinha, aos 82 anos.
“Mas o que aconteceu às irmãs dela? E os portugueses, foram expulsos?”
Veja que, entre a captura das irmãs e sua morte, rolaram muitas tretas.
Teve uma época em que o Papa mandou para aquela terra uma excursão de missionários e Nzinga capturou dois freis para tentar convencê-los de que ela até poderia voltar a ir à missa se os putos dos portugueses soltassem suas irmãs e reconhecessem sua soberania sobre os reinos de Ngola e Matamba.
“Eu aceito Cristo como meu salvador e blá blá blá, pronto, satisfeitos?”
Os portugueses acharam satisfatório e o governador de Luanda resolveu devolver uma de suas irmãs (a outra havia sido executada não muito depois de ser capturada). Quanto aos reinos, bem, ele barganhou: podia ficar com Matamba, mas deveria abrir mão de Ngola. Metade das suas exigências, mas já era alguma coisa.
Morreu velhinha demais para entrar em qualquer combate, mas morreu sendo lembrada como aquela que não se rendeu, como mestre das escapadas e rainha imortal. Sua irmã Mocambo a sucedeu como rainha de Matamba e a lenda de Nzinga ficou gravada na história.
Nzinga. Ana de Sousa. Rainha Ginga. A incapturável. Ou, se preferir, Rainha de Angola. Tantos nomes e apenas um comentário possível: que mulher.
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Esta foi a minha “fanfic” sobre Nzinga e a história séria você pode ler aqui e aqui. Publicada originalmente na edição #49 de Bobagens Imperdíveis, o especial “Mundo África” (para receber a newsletter semanalmente em seu email e ler esses textos em primeira mão, clique aqui). As imagens são do filme Njinga, a Rainha de Angola.