Falar mal é o que nos conecta

Horrível esse tempo, né?

O trânsito está uma bosta.

Você viu o que aquele cara falou? Meu deus, como ele é babaca.

Esse foi o pior livro que eu li na vida. Vou te contar detalhadamente cada passagem que achei bizarra. É tão ruim que chega a ser engraçado!

E o Brasil, hein?

Olha só esse texto que merda.

Achei tão tosco que vou tirar print para zoar na internet. Galera vai compartilhar a beça!

Ainda bem que posso desabafar com você sobre o quanto essa pessoa me irrita.

Nossa, olha aquela fia. Não ficou legal essa calça estampada com aquele corpo que ela tem não.

Odeio segunda-feira.

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Ilustração: Alexx Grigg

É sempre difícil encontrar algo em comum com outra pessoa. Puxar assunto com pessoas não tão conhecidas, então, é melhor quando se apela para algo universal. E o que pode ser mais universal do que falar mal de alguém ou de alguma coisa? Basta achar um “inimigo” em comum e você já tem uma conversa garantida.

Já reparei que um assunto rende mais quando é sobre falar mal de algo. A gente se empolga. Sempre há o que criticar. E há aquele sentimento de cumplicidade, não é mesmo? Afinal, ali as pessoas estão se abrindo, desabafando, expondo algo negativo sobre alguém ou algo sobre o qual geralmente ela não fala abertamente.

Ah, fora o sentimento libertador da sinceridade.

Falar mal nos conecta. Gera assunto. Cria até novas amizades – ou aprofunda as já existentes.

Confesso: falar mal dá até um prazer.

O corpo deve liberar substâncias como quando você pratica algum esporte. Dá vontade de fazer mais, de fazer sempre. Vicia.

Logo estamos procurando grupos ou causas onde podemos nos dedicar a falar mal de outras pessoas ou de outros grupos. Começamos a nos identificar com aquilo que somos contra. Assim sempre teremos assunto!

Falar mal, reclamar, criticar, cornetar, esculachar. Eis o combustível da nossa sociedade. Eis a força motora que faz essa grande roda chamada VIDA girar.

Sou alguém que fala da posição de quem está dentro desse esquema.

Algumas das falas que coloquei no início desse texto são minhas. Outras tantas que não coloquei ali também são – mas achei que aquelas eram o suficiente para ilustrar um comportamento que você deve identificar (ou se identificar) no cotidiano.

Falo como alguém que recorre ao “falar mal” quando não sei sobre o que falar. Como alguém que o faz, às vezes, por diversão. Como alguém que mesmo quando não está criticando algo ou alguém, geralmente se interessa e gosta de ouvir outros praticando o “falar mal”.

Mas também falo da posição de alguém que vê isso como um círculo vicioso meio nocivo.

Se eu só sei falar mal, o que isso diz sobre a pessoa que eu sou? Se eu uso o “falar mal” como a forma fácil e mais confortável para buscar algo em comum com outra pessoa, mesmo que tenhamos em comum só o fato de odiar algo ou alguém, o que isso diz sobre mim?

As palavras que usamos dizem muito sobre nós. A negatividade dos assuntos que trazemos para as conversas, também.

Eu posso não saber exatamente que pessoa eu quero ser, mas sei que não quero ser a pessoa que só detona os outros. Eventualmente, eu serei – mas só porque estarei fracassando nessa batalha diária em ser uma pessoa menos babaca.

Além disso, o que eu ganho me cercando de pessoas que não se importam em detonar os outros? Por que me cercar de pessoas que podem a qualquer momento fazer comigo o que fazem com os outros?

Não é melhor eu me cercar de pessoas que se esforçam um cadim mais para valorizar o que as pessoas fazem de bom, ou falar sobre coisas bacanas, ou compartilhar coisas que me enriqueçam – e não só me preencham com aquele prazerzinho delícia-porém-absolutamente-efêmero do “falar mal”?

Se alguém vem me esculachar o trabalho de outra pessoa, fico pensando: o que impede que ela faça piada do meu próprio trabalho?

Se alguém me fala mal de um amigo ou de uma pessoa de internet que ache babaca, o que impede que essa mesma pessoa faça esses comentários maldosos sobre mim?

Dessas pessoas, eu prefiro me afastar. Assim como tento me afastar da pessoa babaca que eu não quero ser.

Buscar outros assuntos mais positivos é saudável. Abolir o “falar mal” tornaria a nossa sociedade inviável.

Imagine como seria conversar com alguém buscando com essa pessoa uma coisa em comum que não fosse algo que ambas desprezassem, odiassem ou se irritassem? Talvez conversássemos bem menos.

Imagine evitar falar de uma terceira pessoa, não presente na conversa. Ou, se falar de alguém que não estivesse presente, que fosse apenas para valorizá-la. Talvez teríamos que olhar para nós mesmos e falar de coisas mais íntimas que não nos permitimos abrir para as outras pessoas. Talvez teríamos que fazer um grande esforço para começar a perceber o que as outras pessoas fazem de bom e que normalmente nem prestamos atenção.

Imagine endereçar as críticas a alguém diretamente para a pessoa criticada. Falar diretamente para ela aquilo que ela faz que incomoda você. Talvez não suportaríamos a sinceridade. Talvez não tivéssemos coragem. Talvez não soubéssemos criticar com empatia, imaginando como aquela pessoa vai receber o que falamos. Talvez não soubéssemos conversar sem magoar uns aos outros.

A sociedade não iria funcionar.

Mas talvez ela já NÃO esteja funcionando.

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Fotografia da capa: Matt FurLined // Flickr Creative Commons.


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