A ideia caiu na minha cabeça tão repentinamente quanto foi feita a luz no princípio de tudo, como dizem por aí.
Primeiro, eu não levei muito a sério. Depois, comecei a observar com mais atenção. Então fiquei chocada com a conclusão que pude tirar das inúmeras evidências que se apresentaram: meu gato é mesmo deus.
Ele é onipresente. Onde quer que eu vá, lá estará sua presença na forma de pelos grudados na minha roupa. Ou dentro do meu sapato. Ou no céu da minha boca.
Quando eu o chamo, ele não responde. É indiferente às minhas súplicas.
Ele sabe que não é o único, mas não aceita que os outros possam ser tão venerados quanto ele.
Exige ser adorado. Acredita que deve ser amado acima de todas as coisas. Mais do que o sofá, em cujas quinas, agora arruinadas, ele afia suas santas garras; mais do que a gaveta de roupas, que ele decidiu que a ele pertence para dormir; mais do que a mim mesma, que sou apenas um instrumento de sua vontade.
Fica feliz somente quando faço sua vontade. E, quando faz exigências, espera ser atendido imediatamente. “Abra a janela!” ou “Ponha mais comida!” ou “Limpe minha bosta!” ou ainda “Vá sentar na sala porque quero deitar lá olhando para você, humana!”. Caso contrário, ameaça e faz birra – como virar a caixa de areia ou arranhar a lateral da cama.
A primeira e a última coisa que faço no dia é dedicar a ele a minha humilde oferta em sinal de devoção. A ele agrada que essa oferta seja em forma de ração. Da marca que ele prefere.
Quando alguém vem aqui em casa e quero mostrá-lo aos convidados, ele simplesmente some, fazendo com que eu passe vergonha e que pensem que ele é apenas fruto da minha imaginação.
Quando estou mal, sua presença me conforta. Mas ele também não faz nada para resolver minhas merdas.
Ele faz questão que eu saiba que ele está no quarto quando estou transando. Vendo tudo.
Quando coisas estranhas acontecem em casa ou ouço barulhos estranhos que não sei explicar, digo que é ele agindo. Como na vez em que o papel higiênico apareceu, misteriosamente, todo picotado no chão do banheiro.
Ele tudo pode. Deitar em cima do meu teclado enquanto escrevo. Passear em cima da geladeira. Dormir no meu quarto à noite. Em cima do meu travesseiro. Empurrando minha cabeça para fora da cama.
Somente a ele cabe eleger seu humano favorito.
Ele gosta de brincar com a vida dos insetos. Ele gosta de ficar observando-os, tão menores e tão frágeis, em suas vidinhas insignificantes e efêmeras. Ele gosta de perturbá-los, jogando-os de um lado para o outro. Fazendo com que fujam aterrorizados. Mastigando-os e os devolvendo vivos sem uma perna ou uma asa para ver como se saem com esta provação. Eventualmente os mata, quando fica muito entediado.
É, meu gato é deus. Tudo indica que seja.
E eu, ao apertar sua barriguinha e pegá-lo no colo como um bebê, muito provavelmente seja uma herege.
Meu deus.