Precisamos discutir a nossa relação. Vem cá, vamos falar de amor e sobre o quanto estamos sufocando ele. Porque temos essa mania irritante de arranjar padrão pra tudo, né? Como se relações fossem um padrão de tomada para trocar de uma hora para outra e exigir que todos se adequem a ele.
A monogamia certamente é um desses padrões em que tentam nos aprisionar. Mas ela é muito mais do que eu e você, você e eu, juntinhos sem precisar de mais ninguém pra colorir essa história. A monogamia é o “felizes para sempre”, é precisar ter ciúmes para mostrar que ama, é a base da família cristã heterossexual, é a protagonista das comédias românticas e até dos filmes para crianças, é a necessidade de achar a “metade da laranja” e de fazê-la se encaixar no que você idealizou na sua cabeça como a “pessoa certa”, é a tragédia do “crime passional” em que o homem mata sua “amada” para que ela não fique com mais ninguém, é a imposição de estar junto com alguém para fazer filhos, é a base de leis que não contemplam a diversidade de vivências de toda a população, é o que anda de mãos dadas com o padrão da heterossexualidade e com a ideia de que casal é homem e mulher.
O negócio é que essa historinha repetida over and over again através dos séculos começou a caducar. Muita gente começou a ver que não precisava ser assim. Que o amor não precisava ser complicado, doloroso e seguir esse roteiro tonto. Que podia tirar o ciúme. Que podia colocar mais pessoas. Que podia trocar o homem por outra mulher. Que casamento podia ser diferente. Que as pessoas podiam ser livres. Que relacionamentos não precisavam ser uma prisão.
A monogamia começou a ser questionada e ter todas as suas bases criticadas – coisa que faço, concordo e apoio. Chega de narrativas únicas dizendo o que devemos fazer ou como devemos ser para nos adequarmos. Somos grandes demais, bonitos demais e complexos demais para caber nessas caixinhas, né?
Ah, mas as pessoas confundem as coisas rapidinho. E é por isso que a gente precisa conversar: questionar a monogamia e atacar as pessoas que escolheram se relacionar com uma pessoa só são coisas bem diferentes.
Ridicularizar as pessoas que vivem com uma pessoa só é reforçar os estereótipos que a narrativa hegemônica da monogamia já impõe sobre o mundo. Não dá para considerar que todas as pessoas que estão em um relacionamento com uma pessoa só sejam necessariamente submissas, ciumentas, obcecadas por casamento ou românticas, embora seja isso que a monogamia queira de nós. Não dá para considerar que se alguém prefere ficar com uma pessoa só ela está necessariamente deixando de problematizar as opressões que a monogamia ajuda a sustentar. Não dá nem para considerar que todas as pessoas que amam uma pessoa só (ou uma pessoa de cada vez, vai) sejam necessariamente heterossexuais, como prega a cartilha monogâmica. Existem gays, lésbicas e bissexuais em relacionamentos com uma pessoa só, vejam que incrível – e isso quem critica as pessoas monogâmicas (como se elas fossem a monogamia em si) convenientemente gosta de invisibilizar. Da mesma forma, um relacionamento não-monogâmico não é necessariamente livre de opressão de gênero. Relacionamentos são pessoas; e pessoas são muito mais complicadas do que as teorias fazem parecer.
Parafraseando outro texto meu, viver com uma pessoa só, assim como viver com quantas quiser, não torna uma pessoa superior ou inferior a ninguém. O número de pessoas com as quais você mantém uma relação sexual e afetiva não mede o quanto você é livre e não determina se você ama certo ou errado. E mais: não é da conta de ninguém. Ou não deveria ser.
Aos que se relacionam com uma pessoa só, seja porque escolheram assim ou porque nunca pensaram que as coisas podem ser de outro jeito, tenho um conselho: leve para o seu relacionamento a Mão Na Consciência™ que você exercita (ou deveria exercitar) no nível individual. Conversem juntos sobre o relacionamento que vocês escolheram e o tipo de amor que vocês querem viver. É isso o que queremos? O que serve pra gente? E o que não serve? Que tipo de opressão esse modelo que escolhemos está reforçando? Será que pode funcionar de outro jeito? Como podemos ser pessoas melhores um para o outro e para o mundo? Como podemos ser mais livres? Questionar. Experimentar. Acredito que isso seja válido em qualquer relação; especialmente porque um relacionamento é (ou deveria ser) algo que se constrói diariamente, e não algo rígido e imutável, determinado por pessoas que nem vão dormir na nossa cama à noite.
Por que não construir uma relação livre a dois? Se ela é livre o suficiente para incluir quantas pessoas couberem nesse amor, que seja livre em todos os sentidos. Ou esse conceito é tão engessado quanto a ideia de monogamia? Adianta substituir um modelo rígido por outro? Sair de uma imposição para entrar em outra?
Não precisamos transformar o amor em mais uma coisa para nos fazer sentir inadequados, presos, oprimidos – para isso já existe o trânsito e os patrões.
Acho mesmo que todos/todas devamos buscar relações livres: mas livres de cagação de regra. Idealizar um relacionamento perfeito, esse acaba sendo, no final das contas, o grande problema.
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