Templo do nosso tempo

Ano de 3.125

A gente vê o retrato de uma sociedade pelas construções que elas deixaram. Monumentais, altivas, imponentes, elas se erguem através dos tempos e atravessam épocas para contar ao futuro como eram e o que pensavam as pessoas da sociedade a qual pertenceram.

Daqueles que vieram antes de nós, não restou nada. Mesmo vivendo ao seu máximo, os antigos habitantes de nosso planeta não viveram o suficiente para conversar com a gente sobre como eram as coisas naquela época. Eles passaram, há eras. Talvez nem imaginassem que o seu legado fosse chegar tão longe.

Hoje, os estudamos. Tudo o que temos são um punhado quase infinito de dados para tentar decifrar a vida dos antigos – isso e suas construções, pelo menos as que sobreviveram às tragédias e guerras que desolaram a Terra aos pouquinhos, como um mofo que toma conta de um alimento estragado.

As maiores construções das cidades dão uma ideia do quê estava no centro da vida do Homo Urbanus. As ruas e pistas de asfalto são, sem dúvidas, grandes construções – se levarmos em conta sua extensão e a relevância delas para aquela sociedade – mas o alvo de nosso estudo são construções mais verticais.

Dá para notar que os antigos empreenderam grandes esforços na construção desses espaços. Eram prédios que se destacavam no meio das grandes cidades. Eram grandes. Verdadeiros monumentos.

Estes espaços eram importantes para os antigos pela facilidade de concentrar tudo em um só lugar. Era onde os antigos iam para se divertir, para comer, para comprar. E, para os antigos, conveniência era algo sagrado.

Naquele tempo, uma pessoa era mais ou menos respeitada dependendo dos símbolos de poder que ostentava. E o que dizia se um artigo era valioso ou não era o nome a ele atrelado, mais do que qualquer coisa. Ter bons veículos, boas vestimentas e bons artigos decorativos dependia bastante de ter o veículo, a vestimenta ou o objeto com o nome certo. Com o nome cobiçado. E essas construções que os antigos nos deixaram eram o lugar onde era possível encontrar diversos desses símbolos de poder, expostos e protegidos em uma espécie de altar chamado por eles de vitrine.

É claro que nem só os artigos mais luxuosos eram encontrados ali. Os antigos adoravam consumir o que quer que fosse, e tudo o que eles pudessem querer comprar estaria à disposição deles naqueles prédios. Comprar era um ato reverenciado por aquela sociedade, logo, nada mais justo entender esses prédios como templos. Templos de uma era de consumo.

Os ancestrais mais remotos desse povo também deixaram um legado arquitetônico: igrejas suntuosas, com torres que alcançavam os céus, um interior abobadado e cheio de imagens de santos, tudo feito com o que de mais avançado e valioso havia em seu tempo. Ancestrais ainda mais antigos deixaram grandes obras que serviam de túmulo a reis, monumentos faraônicos, de grandeza indescritível. Da mesma forma, os que vieram antes de nós nos deixaram estes templos de consumo como lembrança daquilo que idolatravam. Cada sociedade tem um deus diferente, afinal.

Estes templos, que hoje não passam de ruínas vazias, escuras e empoeiradas, já foram construções grandiosas, sempre limpas, bem iluminadas e de piso claro, protegidas de toda intempérie do mundo exterior. Seus corredores eram projetados como labirintos, onde se podia andar em círculos, vendo todas as vitrines sem perceber que horas eram, sem lembrar que existia um mundo lá fora.

Lá, os frequentadores se sentiam protegidos. O ar-condicionado e a música ambiente formavam uma confortável bolha, que eles sabiam que seria frequentada apenas pelas “pessoas de bem”. As classes menos favorecidas daquela sociedade eram mantidas isoladas, do lado de fora; seja por barreiras culturais, seja pela força do cassetete.

Se em outras épocas ainda mais remotas os mercadores eram expulsos do templo, na era do consumo, os mercadores tinham seus próprios templos – e a eles cabia o poder de expulsar quem eles bem entendessem.

As construções que sobreviveram às eras são uma lembrança da sociedade a qual pertenceram. E estes templos nos lembram da época em que era preciso consumir para ser considerado gente. Consumo, sempre mais consumo.

Pena que não podemos voltar no tempo e deixar alguma construção, ou marca que seja, para lembrar aos antigos que justamente aquilo que mais idolatravam seria a ruína deles.

Fotografia: Trey Ratcliff // Flickr Creative Commons.


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