Quando o burro fala, os outros ficam com vontade de falar asneiras também. Talvez essa devesse ser a forma oficial desse ditado. Porque acontece e é um fenômeno observável desde os tempos em que só tinha mato onde hoje é a internet.
Quanto mais um discurso é amplificado, mais opiniões contrárias a ele tendem a se calar. Não sou eu que estou dizendo isso, é a teoria da Espiral do Silêncio, criada por gente séria de verdade, e não esse pessoal que escreve em blogs por aí.
Um exemplo: se alguém faz uma piada preconceituosa e só se vê pessoas achando aquilo engraçado e não surge ninguém que diga o porquê aquilo é tão absurdo, a tendência é que aquele discurso encontre cada vez menos opositores, já que será algo normalizado, algo que as pessoas acharão que é ok.
Mas a sensação de que o discurso dominante é impenetrável e sempre estará sentado em uma confortável posição em cima do mundo não passa de uma ilusão. Com tanta gente falando e reproduzindo, fica fácil sustentar a farsa de que o mundo sempre foi e sempre será machista, que pessoas gordas sempre foram e sempre serão consideradas repulsivas, ou que comparar negros a animais sempre foi e sempre será apenas uma piada.
O negócio é que existe um truque para virar esse jogo. E os chatos são o principal ingrediente dessa receita. Os “chatos”, aqueles que contestam, que questionam, que não aceitam as coisas do jeito que estão. Aqueles que não riem de piadinhas racistas, aqueles que não deixam comentários homofóbicos passarem impunes, aqueles que fazem os reprodutores do discurso machista se sentirem patrulhados.
Quando os chatos falam, outras pessoas se sentem motivadas a sair da “espiral do silêncio”. Elas veem que podem contestar aquilo também. A dizer “não, cara, isso não é engraçado”. A não achar mais aceitável tanto preconceito, tanta burrice, tanto ódio disfarçado de brincadeira.
Por isso acho tão importante que existam os “chatos”. Quero mais é que eles se expressem, que, ainda que sejam poucos, falem contra a maioria. Porque, aos poucos, quanto mais eles falam, menor fica a maioria questionada por eles.
Por isso, ao invés de só replicar os discursos preconceituosos e sem noção, procuro amplificar a voz de quem os contesta. Prefiro mostrar que há gente se posicionando contra a maioria, contra o lugar comum, contra o que é considerado “normal”.
Porque quanto mais os chatos falam, mais numerosos eles ficam. E logo serão tantas pessoas repudiando piadinhas transfóbicas, comentários racistas, posturas machistas e discursos homofóbicos, que antes quem era acostumado a reproduzir todo esse preconceito ficará com vergonha. Pensará duas, três, vinte vezes antes de falar alguma merda.
E, quem sabe, até vire um chato também.
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Por falar em chatos falando, eu e a Gizelli Sousa agora temos um podcast feminista: o We Can Cast It! Já ouviu? Vai lá!
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Fotografia: Giulia van Pelt // Flickr Creative Commons