Eu não quero ser sua amiga

Oi, lembra de mim? Sou aquela sua amiga, lembra?, que está sempre em sua lembrança quando você precisa justificar que você não é preconceituosa. Eu sinceramente preferiria que você se lembrasse de mim na hora de mandar o convite do seu casamento, aquela mensagem animadora quando não estou em um bom dia, na hora de chamar alguém para ir ao cinema com você – ou até quando você precisasse de alguém para cuidar do seu cachorro enquanto você viaja. Bem, mas você, que se considera minha amiga, só lembra de mim em outros momentos. Cada um faz o que pode, né?

Mas já que você me considera sua amiga, vou tomar a liberdade de dizer que essa relação não está legal. Eu sei que você gosta de me ter como amiga, mas me incomoda ser lembrada e não ser chamada, pois só sou lembrada para você provar um ponto em uma discussão. Com outras pessoas. Uma discussão para a qual não fui chamada e que, na maioria das vezes, nem sei que estou sendo usada como exemplo.

Então, espero que você não me leve a mal, mas não quero ser sua amiga.

Não quero ser amiga de alguém para que minha orientação sexual ou minha identidade de gênero sejam usadas para livrá-la automaticamente de acusações de ser homofóbica ou transfóbica. Assim você pode sair por aí reforçando preconceitos e fazendo piada de quem eu sou, mas tudo bem, afinal, somos amigas, né?

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Não quero ser amiga de alguém para que a minha cor seja exibida quase como um troféu, como se você merecesse uma medalha por ser minha amiga. Para que isso seja usado como um trunfo para provar um ponto (o seu ponto, não o meu) numa discussão. Não quero ser amiga de alguém para que minha vida seja usada como exemplo, apesar de você nem imaginar como é ter a minha vida.

Não quero ser amiga de alguém para ser lembrada só para você dizer que não, imagina, que não é babaca! Que ATÉ tem uma amiga como eu. Que você é a exceção, é a que desumaniza e faz piadinha com as pessoas, mas não é racista, não é transfóbica, não é homofóbica, não é misógina. Preconceituosas são as outras! Sempre as outras, nunca você.

Eu não quero ser amiga dos seus preconceitos. E seus preconceitos não se tornam válidos de repente só porque você tira a carta da minha amizade da manga.

Mas aí vai um conselho de amiga: ninguém precisa ser preconceituosa para sempre. Espero que não mesmo: assim você vai poder estar lá quando eu for convidá-la para o meu casamento, quando eu precisar de alguém para cuidar do meu cachorro ou de alguém para me mandar uma mensagem animadora em um dia ruim. Porque amizade, amizade mesmo, é algo muito maior do que uma desculpa para ser babaca.

“Seu amigo negro não prova nada” (CASTRO, Alex).

Fotografia: Beautification Syndrome // Flickr Creative Commons


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