Recado para as inimigas

Ainda me lembro quem me ensinou que eu não poderia confiar em outras mulheres. Ele me disse, cochichando no ouvido, que mulher é tudo falsa. Que minhas amigas eram invejosas, interesseiras, que a qualquer momento iriam me trair.

Ele me ensinou que outras mulheres deveriam ser vistas sempre como uma ameaça. Que elas iriam roubar meu namorado. Que iriam chamar mais atenção do que eu. Então ele me deu um tapinha de aprovação quando eu chamei aquela garota de vagabunda. “Boa menina”, ele disse.

Ele me ensinou que todas as merdas que eu passava por ser mulher eram culpa dessas mulheres que não se dão valor. Que por culpa delas, as mulheres – inclusive eu, tão boa e comportada – seriam para sempre vistas como objetos sexuais.

Ele sorriu pra mim quando eu me impedi de ter amigas, por achar que não seriam verdadeiras comigo. Ele sorriu pra mim quando eu disse que não gostava de conversa de mulher porque eram todas fúteis. Ele quase gozou de felicidade quando odiei aquela garota sem motivo algum.

Ele, o patriarcado, me ensinou tudo isso, e eu aprendi bem.

Então algo aconteceu. E o patriarcado arrancou os cabelos de desespero quando eu percebi que eu não precisava sentir raiva de outras mulheres. Ele esperneou quando eu parei de tratar outras mulheres como minhas inimigas. Ele gritou de ódio e até babou, porque se eu parasse de brigar com as outras mulheres, ia poder lutar CONTRA ELE.

inimigas

O patriarcado é um velho autoritário que não gosta de mulheres. Quer dizer, até gosta, porque o patriarcado faz questão de ser macho e extremamente hétero. Mas só gosta de mulher em posições que ele consegue dominar facilmente: cuidando da casa, dos filhos, em empregos mal remunerados, em papéis sexualizados e estereotipados na televisão, fora da política.

O patriarcado, como o bom exemplo de velho amargurado que é, só pensa em sabotar as mulheres, deixá-las sempre na pior. Sua existência gira em torno desse único e mesquinho propósito de vida. Fazer mulheres acreditarem que são todas inimigas é uma de suas táticas. Fazer elas se sentirem sempre insatisfeitas com seus corpos é outra. Mas ele tem outros mil e um truques na manga para garantir que mulheres continuem sendo desprezadas.

O patriarcado até se acha poderoso e inabalável, mas se uma mulher começa a questioná-lo, ele só falta mijar nas calças. Ele se treme todo. Por isso, ele precisa de pessoas que o defendam, porque nem isso ele é capaz de fazer sozinho. Se alguma mulher ousa levantar a voz para questioná-lo, logo aparece um de seus defensores para dizer que ela devia estar lavando a louça em vez de estar falando qualquer coisa.

O patriarcado é um velho parasita que grudou no nosso mundo e se alimenta da tragédia das mulheres. Ele se alimenta de canudinho de cada agressão, de cada mulher sofrendo calada, de cada mulher que morre pelas mãos do ex, de cada lei que tenta negar às mulheres autonomia e o direito ao próprio corpo. Ele lambe os beiços. Tente tirar isso dele e você vai ver como o velhote fica furioso. Porque se o patriarcado não puder nos explorar, ele definha. Seca até os ossos.

O patriarcado é um velho que só tem uma coisa maior do que seu ódio às mulheres: medo de acabar. Mas ele vai. Ele já começou a acabar. E acaba um pouquinho mais toda vez que uma mulher percebe que suas “inimigas” não existem. Que é só uma cortina de fumaça.

É aí que o patriarcado começa a se quebrar, pedacinho por pedacinho: quando mandamos um recado para as nossas “inimigas” e não é ódio; mas um “estamos juntas”. Porque só juntas podemos combatê-lo. Só juntas sobreviveremos.

Fotografia: Tinker Tailor // Flickr Creative Commons