Não me lembro de ter lido um livro tão rápido desde Como a Starbucks Salvou a Minha Vida. Mas a leitura de Jogador Nº1, de Ernest Cline, é tão viciante quanto videogame: depois que você começa a jogar, não tem como parar antes de zerar.
Já disse que ando muito fã de ficção para adolescentes. Jogador Nº1, no entanto, não foi criado para ESTA geração de adolescentes. Quem foi adolescente na década de 80 vai curtir muito mais o livro e as inúmeras referências à cultura pop da época. Os adolescentes de agora vão curtir também: o livro é sobre uma juventude imersa em uma realidade virtual hiperconectada.
Essa realidade virtual é um sistema chamado OASIS, onde se passa a maior parte da história. OASIS é uma espécie de “Second Life”: as pessoas se conectam ao jogo, criam seus avatares, fazem compras e negócios, estudam, se relacionam, ou participam de missões e batalhas, como em “World of Warcraft”. Tudo isso em uma imersão bastante realista.
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A história começa quando o criador desse jogo, o multibilionário e geek James Halliday, morre. Em seu testamento, transmitido para o mundo todo via OASIS, Halliday revela que deixará toda a sua herança para quem encontrar um easter egg que ele escondeu no jogo. Para encontrá-lo e vencer o jogo, o jogador precisa encontrar as três chaves (de cobre, jade e cristal) e passar por três portões.
O detalhe é que Halliday viveu sua adolescência nos anos 80. Ele é um super nerd. Então é claro que as pistas e desafios para encontrar o easter egg são todas relacionados a jogos, filmes, bandas e personagens da sua década favorita.
Doidos para colocarem as mãos na fortuna de Halliday, aparecem milhões de “caça-ovos”, jogadores que passam a estudar obstinadamente sobre a cultura pop dos anos 80 e revirar o OASIS em busca de alguma pista.
Cinco anos se passam e ninguém encontra nada. Até que aparece um nome no Placar, indicando que alguém conseguiu chegar à primeira chave: Parzival. O nome do avatar de um rapaz de 18 anos que mora em uma favela às margens de Oklahoma. Wade Watts, narrador do livro.
É um jogo. Com páginas no lugar do joystick.
O mais legal de Jogador Nº1 é que a narrativa é mais parecida com um jogo de videogame do que com um romance. O leitor passa, junto com Wade, por vários desafios, sobe de nível, pega itens raros, participa de batalhas, faz aliados e quebra a cabeça para descobrir o significado dos enigmas deixados por Halliday. Exatamente como em um jogo de aventura.
Depois que Wade (Parzival, dentro do OASIS) consegue a primeira chave, começa uma disputa alucinante. Art3mis, Aech, Daito e Shoto são outros avatares que estão no páreo e ficam no topo do Placar a maioria do tempo.
O problema é que a “caça ao ovo” não é uma inocente brincadeirinha de adolescentes gamers. Há uma fortuna em jogo. A IOI (ai-ou-ai), uma corporação gigantesca e inescrupulosa, está disposta a tudo para vencer esse jogo. Cheia de recursos, trapaças e uma equipe inteira de especialistas, ela coloca avatares de seus funcionários dentro do OASIS (os chamados Seis) para encontrar o ovo e colocar as mãos na herança de Halliday.
Um futuro negro aguarda os usuários do OASIS se a IOI vencer o jogo. De posse do OASIS, a empresa pretende acabar com a liberdade dos usuários de usar o sistema de graça, restringindo assim o acesso de uma parte importante da vida das pessoas. Seria como alguém cobrar pelo uso do sol.
Muito mais que correr para ser o Jogador Nº1, os “caça-ovo” precisam vencer o jogo para impedir que a IOI tome o que lhes é mais precioso: o OASIS.
“Sair de casa é superestimado”
Uma das questões muito abordadas no livro é essa divisão entre “real” e “virtual”. Embora toda a construção da história leve a acreditar que existe essa divisão, pelo fato dos personagens criarem “avatares” com uma aparência bem diferente e não possuírem na vida real a mesma popularidade ou recursos que possuem no jogo, entre outras coisas, eu percebi que não: real e virtual são a mesma coisa.
E não apenas em Jogador Nº1. Podemos não ter um sistema tão sofisticado como o OASIS, mas vivemos imersos em uma realidade virtual. Criamos avatares para transitar por esse mundo, muitas vezes, drasticamente diferentes do que somos na vida real.
Acho que o livro acaba mostrando o quanto essas duas realidades estão conectadas. As ações de Parzival dentro do jogo influenciam o que acontece fora dele – até mesmo colocando em risco o próprio Wade. Da mesma forma, coisas que Wade faz no mundo real são determinantes para mudar o destino do jogo.
O que fazemos na internet também faz parte das nossas vidas. Insistir nessa separação entre real e virtual é negar que o que fazemos na internet nos define e tem o poder de impactar o mundo “offline”. É se apegar a uma visão bastante caduca. É abrir margem para que as pessoas fujam da responsabilidade de assumir as consequências do que fazem na internet. É não reconhecer que o chamado “ativismo de sofá” é sim capaz de mudar uma realidade. Porque se por um lado a internet é usada por pessoas irresponsáveis que disseminam ódio e preconceito, ela pode ser usada para disseminar informação – a arma mais efetiva para mudar a mente das pessoas.
Você, em algum nível, é seu avatar. A diferença é que, assim como quando Wade entra no OASIS e se torna Parzival, você tem poderes inimagináveis quando está conectado. A questão é: você também usa seus conhecimentos para lutar pelo mundo no qual você acredita?
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Fotografia da capa: chicageek // Flickr Creative Commons.