Aí que estou de bobeira na livraria (sempre vou à livraria para matar o tempo, não para comprar livros) e encontro o Sonhei que a neve fervia. Ouvi muita gente falar desse livro, mas não conhecia ainda trabalho da autora – só mesmo o blog e uma peça adaptada de seu romance Minúsculos assassinatos e alguns copos de leites. Ela até estava na plateia, mas como na época eu ainda não sabia who the fuck is Fal Azevedo, eu não fui lá dar um abraço nela e dizer: “cara, você é demais”. Porque hoje em dia eu faria isso, sem dúvidas.
Nem estou tão acostumada assim a ler não-ficção, mas a linguagem do livro é uma delícia. Cheguei até a sentir que eu estava, sei lá, invadindo a privacidade dela por estar lendo coisas tão íntimas. Por outro lado, eu me sentia parte do que ela estava narrando. Uma pequena amostra de porque me identifiquei tanto com a Fal:
Minha mãe tem um lance esquisito com telefones tocando: ela atende. Meio da refeição, meio do filme, conversa, aflição pra fazer xixi, nada detém minha mãe ou a impede de, neuroticamente, tirar aquela porra do gancho e mandar um “Oláááá!” (sim, ela atende o telefone assim). Não passa pela cabeça dela deixar aquele treco tocar até derreter. Oh, não, jamais. Ela tem que atender, é mais forte que ela. Eu? Pufffff. Na grande maioria das vezes, nem sei onde o telefone está. E não, nem me dou ao trabalho de olhar quem é no visorzim cagueta. Não quero atender. Quando eu estou ocupada, quando eu não estou ocupada, de noite, de dia, o fixo, o celular, o dos outros, no meio do trânsito, eu não quero atender. Nunca, ninguém. Não quero falar no telefone. Não quero falar. Simples assim.
Outro trechinho genial (nem preciso dizer que me imaginei nessa cena):
Prédio comercial é uma armadilha para pessoas como eu, que já sou tonta na vida normal. Dentro duma multinacional, sou meu próprio Peter Sellers. Saí no andar errado duas vezes. No escritório chique do cliente idem, na frente duma secretária que parecia feita de biscuit, derrubei um cinzeiro, na sala do cara (num carpete desta grossura) derrubei um copo d’água, gaguejei para dizer meu nome, e, quando saí e entrei no táxi, não sabia pronde ia.
– Para onde vamos?
– O senhor espera só um pouquinho preu me lembrar?
Quer dizer, Mundo Real 10, eu 0.
Enfim, a Fal é uma gostosura. Sonhei que a neve fervia é um livro de angústias, mas também de risos. É um livro escrito na base de “drops” (pequenos trechos sobre coisas diversas na vida da narradora, como os trechos acima) e pequenas conversas, que juntas formam uma conversa única, cheia de mineirices como “procê”, “cousa e tale” e “pronde”. Como não amar?
Fal Azevedo no lançamento de “Sonhei que a Neve Fervia”, foto por Cristina Carriconde