O primeiro debate polêmico no qual me envolvi foi sobre qual superpoder seria o melhor. Entre se teletransportar e ser intangível, pareceu óbvio para mim que a intangibilidade seria um poder mais interessante. Poder atravessar paredes e, ao mesmo tempo, nada atravessar você. Uma bala de revólver ou de canhão passaria pelo seu corpo como se, na verdade, você não estivesse ali. Sensacional.
Bem, há quem discorde.
Mas não tenho dúvidas de qual seria o pior superpoder de todos. A invisibilidade. Aliás, ser invisível é uma boa definição do que é não ter poder nenhum.
“Ah, mas se eu fosse invisível, eu poderia fazer o que eu quisesse”. Tipo invadir o vestiário feminino? Ok. Tem gente que até se diverte com a ideia de espiar os outros ou de não ser notada quando lhe convém, como se a “vantagem” de poder ver seios de desavisadas ou de mexer nas coisas do seu chefe, por si só, tornasse esse poder o máximo.
Amigo, deixe que eu conte algo sobre a invisibilidade que talvez você não saiba.
Ser invisível é mais que ser um fantasminha que sai por aí para aprontar todas. Ser invisível é, literalmente, não ser visto. É ninguém notar você. Você consegue entender a dimensão da coisa? É mais ou menos como não existir, com a diferença que você existe.
Se você é invisível, você não pode se ver representado em lugar nenhum. As novelas não terão personagens como você, os jornais não mostrarão notícias sobre você, a sociedade não irá considerar você o padrão de nada. Se você é invisível, você não pode ser o padrão de beleza. Porque as pessoas bonitas que a TV mostra só são consideradas bonitas porque não são como você. Porque se fossem, também seriam invisíveis.
Pode até parecer óbvio, mas se você é invisível, você não tem visibilidade nenhuma. Nem na rua, nem na mídia, nem na sua própria língua. As palavras usadas para definir você desaparecem. Elas até existem, mas outras são usadas no lugar. Isso garante que você não seja visto nem em livros de História, nem em documentos importantes, nem em notícias, nem no mais safado dos discursos políticos.
O fato mais perverso sobre a invisibilidade é que, assim como ninguém nota a sua presença, ninguém dá conta da sua ausência. Se você é invisível, ninguém vai notar que você não ocupa um cargo de poder. Ninguém vai perceber que você não é presidente. Ninguém vai reparar que você não está na TV. Ninguém vai notar que você não está na universidade. Ninguém vai perceber que você não é e nunca vai ser um professor universitário. Ou a pessoa mais rica do mundo.
Se você é invisível, você não tem direitos constitucionais garantidos. Ainda que a Consituição diga que todos têm direitos iguais (e você estaria incluso nesse “todos”), é impossível alguém aplicar tais direitos em seu favor, já que ninguém enxerga você.
Se você é invisível, você também não tem voz. É claro que você não fica mudo; a invisibilidade só impede as outras pessoas de verem você. Mas, se você é invisível, as pessoas não irão escutá-lo. Você pode falar, pode gritar, pode espernear. Elas vão olhar confusas para os lados e se recusar a acreditar no que você estiver dizendo. “Devo estar louca, estou ouvindo vozes”. E vão voltar a dirigir seus carros, navegar na internet ou a resolver os problemas de suas vidas, sem ver que você estava ali, bem na frente delas.
Se você é invisível, as pessoas podem pisar no seu pé, meter uma cotovelada na sua boca, atropelar você e não vão se sentir mal com isso. Nem vão precisar pedir desculpas. Elas não veem você, puxa.
Ser invisível é uma merda. O pior é que não há nenhum impedimento para as outras pessoas verem você. Só que elas preferem não ver você. Elas vão fazer de tudo para que você não seja visto. Porque a invisibilidade não é o poder de quem é invisível. É o poder de quem não é.
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Fotografia da capa: bluesbby // Flickr Creative Commons