Eu não sou mutante. Eu não faço parte de nenhuma liga de super-heróis. Também não saio por aí combatendo o crime sozinha. Eu não ganhei na loteria. Eu não troco correspondências com nenhum habitante do planeta Kepler 22-B. Para falar a verdade, eu nunca conheci nenhum alienígena.
Eu não tenho uma cauda. Eu não sou Jesus Cristo reencarnado. Ou Buda. Ou Saramago. Não tenho nenhum amigo que tenha nascido há mais de cinco mil anos. Também não conheço ninguém que tenha conseguido a imortalidade e depois enlouquecido por não conseguir morrer. Eu não sou uma espécie pré-histórica recentemente descoberta nos esgotos de uma grande cidade. Também não conheço ninguém que tenha feito uma descoberta do tipo.
Eu não acordei transformada em uma barata. Eu nunca viajei no tempo. Nem para a época em que essa terra era dos índios e dos espíritos da floresta, nem para daqui a seiscentos mil anos, quando provavelmente haverá algo que valha a pena ser visto.
Eu não moro em uma casa assombrada por demônios vingativos que derrubam panelas e vestem as minhas roupas para aparecer de madrugada nos corredores. Eu não vejo dinossauros pela minha janela enquanto trabalho. O governo não está trabalhando em uma vacina para conter a epidemia que faz as pessoas perderem os sentidos gradualmente, começando com o olfato e indo até a visão.
Por isso, eu fico esperando encontrar alguém que me conte coisas assim. Mas eu leio os blogs e ninguém fala sobre pessoas que não existem. Todos parecem interessados demais na realidade, em diálogos que aconteceram, em pessoas que conheceram, em notícias que os jornais deram.
Um cara muito famoso uma vez disse que a ficção existe para que a realidade não nos destrua. Algo mais ou menos assim. Não que a realidade não nos sirva; ela apenas não tem graça. Quer dizer, até tem. Porque podemos viver em um mundo que não tem lobisomens ou super-heróis, mas o sentido de viver nesse mundo é justamente poder inventar tudo isso.
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Fotografias: Jack in the Green Festival Hastings, por Duncan Price // Flickr Creative Commons