É um pouco chateada que escrevo este texto. Desde o início do ano parti numa trip literária, louca para colocar em dia minha leitura, ler os livros que nunca tive tempo para ler, conhecer novas histórias, buscar referências. Daí que todo mundo me falava do Kerouac, que eu precisava ler, que eu ia gostar, que era essencial, que On The Road era o tipo de livro que mudou a vida de muita gente e essa coisa toda – tive que considerar o livro para a minha lista, e olha, eu estava ansiosa para ler. Tão ansiosa que, quando não encontrei o On The Road na livraria, considerei levar Os Vagabundos Iluminados. Mas lembrei do que o Marcos sempre diz quando vamos pela primeira vez a alguma hamburgueria: não inventa moda na hora de fazer o pedido, pede o hambúrguer básico que geralmente é a especialidade da casa. Resolvi não arriscar com Kerouac, e como todo mundo só falava de On The Road, tinha que começar por ele.
O negócio é que eu não gostei. Foi um caminho de 461 páginas difícil de percorrer – e é tão difícil para mim admitir isso. Tudo bem, a gente acaba encontrando autores que não gosta, histórias com as quais não se identifica, isso acontece, a vida segue. Mas eu fiquei me perguntando: o que aconteceu entre nós, Jack? O que faltou para as coisas darem certo, para rolar aquela química? Foi algo que eu não entendi, Jack? Talvez seja só que, não me leve a mal, você não faz o meu tipo.
Não estou dizendo que foi uma merda. Foi muito inspirador conhecer o livro que, reza a lenda, foi datilografado furiosamente em vinte dias, em um único rolo de papel. Invejo você, Jack. E foi esse manuscrito em rolo que foi recusado por vários editores antes de finalmente ser publicado, com diversas alterações, em 1957. A versão que eu li, a original, é descrita pela editora como “mais selvagem” e também mais crua. O livro inteiro é um único parágrafo, como uma pista em linha reta, sem curvas, que você precisa seguir com atenção porque se você desviar o olhar por um segundo você se perde ou bate de frente com o caminhão que vem do outro lado.
O livro, dividido em cinco partes, conta a história de Jack atravessando o país (o dele, claro) e vivendo ao deus dará. Só nessa brincadeira, ele foi da costa leste a costa oeste, e de volta para a costa leste umas três vezes – e, depois, da costa leste ao México. Apesar da exaustiva descrição dos percursos das viagens (fiquei tão cansada como se estivesse, de fato, viajando com eles em um carro velho), há momentos interessantes e personagens que valem a pena. Jack mandou muito bem nos trechos em que narrava shows de jazz – tinha ritmo, energia, e a música é algo muito difícil de transmitir só com a escrita. Coisa que ele conseguiu. Mas quem segura a história mesmo é Neal Cassady (ou Dean Moriarty, dependendo da versão que você leia). O cara é um porra louca, imprevisível, parece um cão abobalhado: tudo o excita e sua energia parece não acabar “sim, sim, simmm!”. Pegar no volante o deixa tão feliz quanto um cão agarrar um belo osso. Neal foi o que pulsou e brilhou em meio a uma história que, pelo menos ao meu ver, foi sobre o mapa dos Estados Unidos da América.
On The Road tem sim seus pontos positivos – não nego. Mas não consegui me encantar por ele. Talvez seja por uma questão de contexto (e eu estaria fora dele). A liberdade e o desapego podem ser um tema muito mais interessante para quem está justamente do outro lado da coisa, buscando esse escape em um livro porque é o que não tem na vida real. Ou, por outro lado, um livro sobre pegar a estrada pode gerar grande identificação com quem gosta de fazer isso e o faz com frequência. É claro que existem vários fatores para alguém gostar ou desgostar, mas o que quero dizer é que um livro não é “gostável” por si só. O mérito de um bom livro é metade do escritor – e a outra metade, do leitor. Você pode até ter uma visão diferente da minha e gostar, quem sabe. Estou com o livro aqui à disposição.
Jack, não foi dessa vez. Fica para a próxima, ok? Agora você me dá licença: vou ali voltar para o Bukowski – o único vagabundo do qual consigo gostar.