Assovio se responde com assovio

Era só Júnia colocar os pés na rua para saber que ia se aborrecer. Por que a certeza? Porque ela era mulher, claro. Júnia não conseguia passar por uma simples calçada sem ouvir assovios e gracejos como “ô lá em casa”, “ai se eu te pego”, “nossa que delícia”, e outras tantas frases mais elaboradas e criativas que nunca foram exclusivas de pedreiros.

Mas toda mulher, no fundo, no fundo, gostava – era o que o mundo dizia. Júnia não tinha chegado tão no fundo assim, talvez por isso achasse um saco. Mas não era chato como um ônibus que não parava quando ela dava sinal, porque isso ela conseguia superar. Era chato como um testemunha de jeová batendo na sua casa às oito da manhã de um sábado para falar um monte de asneira que você não queria ouvir. Júnia achava que era tão invasivo quanto.

E Júnia não era nada demais, ela achava. Cabelo comprido, olhos, nariz, boca, dois braços, duas pernas e um par de seios, pequenos, mas ainda assim eram dois. Para sua infelicidade, cantadas não eram uma exclusividade das gostosonas. E nem das garotas que desfilavam de minissaia e decote pelas ruas. Mas essas não podiam nem reclamar – o mundo também dizia – porque afinal, se estavam vestidas daquele jeito, estavam pedindo. Vestidas como vagabundas, é claro que vão atrair cantadas – e até causar estupros por aí. Mas Júnia observou que, aparentemente, usar calça comprida, camiseta e casaco também era se vestir como uma vagabunda. Céus, não tinha saída, ela pensava.

Em uma conversa com o irmão, resolveu desabafar. Ele achou um absurdo, claro.

– Olha, se fosse comigo, se um gay mexesse comigo, ah, eu descia a porrada.

– Entendi.

A outra metade da população da qual Júnia não fazia parte parecia achar fácil se livrar disso, talvez por sua pouca familiaridade com a situação. Reagir não era exatamente uma opção, embora toda vez que Júnia passava por isso elaborava em sua cabeça mil formas de responder à altura as gracinhas que tinha que ouvir.

– Bom dia, princesa! – “Bom dia é o cacete, e tira o olho da minha bunda”

– Biiiiiii bii! – “Vai buzinar para a puta que te pariu!”

– Nossa, você tá uma delícia, hein. – “Vai comer merda”

– Que tesão! – “Por quê? Tá com o dedo no seu cu, babaca?”

– Fiu fiu! – “Que foi? Nunca viu mulher não?”

Mas Júnia nunca reagia por dois motivos. Primeiro, achava perigoso. Ela soube de mulher levando tiro na cara por muito menos. Segundo, porque por mais escrota que fosse a resposta que ela imaginava, nunca achava que era tão grosseira quanto as cantadas que recebia.

Até que teve uma ideia.

Evitava passar por uma calçada quando tinha um grupo de homens parado por perto. Mas daquela vez não mudou de caminho. Continuou andando, certa de sua pequena vingança. Quando passou na frente dos três caras, os sempre donos da situação, não deu outra: começaram a assoviar, dizer as gracinhas de sempre. Júnia passou por eles, perto até demais. E, quando teve certeza que no passo seguinte eles estavam olhando para a sua bunda, peidou alto. Um peido bem barulhento, fedido, um estrago. Que orgulho de peido. Continuou andando e deixou de presente para os três sujeitos o cheiro morno de suas entranhas.

Ouviu os três putos xingando lá atrás e gargalhou satisfeita. A cantada, literalmente, saiu pela culatra.

Foto da capa: Zeny Rosalina, via Unsplash