Sandelon tinha acabado de cair em outro planeta. Talvez seja difícil acreditar, já que nem eu e nem você tenhamos passado por isso antes. Mas Sandelon estava, de fato, passando por isso e ainda assim achava difícil acreditar.
Preferiu ficar deitado, imóvel, e prendeu a respiração o quanto pode, em pânico. Não aguentou mais que dez segundos. Para sua sorte, a atmosfera do planeta era agradável e o ar que inalou não o matou instantaneamente, como ele pensou que aconteceria. Olhou com medo ao seu redor e estranhou praticamente tudo: da vegetação que cobria toda a superfície até o céu multicolorido, que se alaranjava no horizonte. Puta merda, estou mesmo em outro planeta.
Não havia nenhuma nave ou tripulação espatifada ao seu redor, porque, é claro, as naves não conseguiam chegar tão longe quanto ele estava agora. Os cientistas descobriram que, para chegar em outros planetas, possivelmente habitados, era preciso escavar túneis. O que era bem mais complicado do que perfurar uma superfície, afinal, estamos falando de espaço-tempo.
Escolheram um indivíduo ordinário de quem ninguém sentiria falta, já que a passagem de volta não estava inclusa no pacote, devido a impossibilidades técnicas. Sabe-se apenas que os cientistas estavam trabalhando nisso agora.
Então, como estávamos vendo, Sandelon tinha acabado de cair em outro planeta. Levantou devagar, atento a cada ruído do ambiente. A única coisa que conseguia ouvir era uma frequência constante e aguda, como uma interferência. Era um som alto e irritante. A única coisa que não deixava aquele planeta ser um tédio completo.
E agora, o que eu faço?
Ele estava sozinho em um ambiente desconhecido sem missão a cumprir ou sequer alguma instrução do que fazer ou de como se virar naquele pedaço de fim de mundo. Aparentemente, os cientistas não se preocuparam com isso. Acharam que já seria muito otimista a previsão de que ele chegaria vivo a algum lugar. O fato é que chegou, e agora encarava desesperado a solidão de um planeta inóspito.
Para Sandelon, os planetas não passavam de bolotas no espaço às que se davam nomes engraçados. A posição deles também determinava se alguém estaria destinado a ser um grande teimoso ou só um fracassado qualquer. Mas querer pisar em um planeta distante só para dizer que pisou era inutilidade demais. Era improvável que ele encontraria algo além de plantas esquisitas e nada. Nada vezes nada.
Alguns diziam que existia a chance de haver vida inteligente em outros planetas. Mas Sandelon sabia que era besteira. Acreditava que só existia uma forma de vida inteligente em todo o Universo e ele era um bom representante dela. As Escrituras não mencionavam nenhuma outra espécie como cabeçudos com tentáculos ou rastejantes desintegradores de células, que eram vistos apenas na ficção e em estórias para colocar medo nos pequenos. Se existissem, as Escrituras certamente falariam deles. Isso encerrava a discussão.
Você deve imaginar o que vem a seguir. Sandelon deu de cara com um habitante daquele planeta, para seu completo pavor e para a ruína de suas crenças. A sua única reação foi ficar parado enquanto a criatura se aproximava, caminhando em meio ao mato alto. Sandelon então percebeu que, na verdade, ele havia morrido na experiência dos cientistas e que nada daquilo era real. Pelo menos foi no que ele preferiu acreditar por um momento.
O habitante era menor que ele, todo preto, tinha a cara achatada e grandes olhos amarelos. Tinha cinco membros, mas um deles não tocava o chão. Ficava suspenso no ar e parecia ter vida própria. Então a criatura parou na frente de Sandelon e começou a se comunicar com ele, em uma língua que ele não compreendia. Era um idioma simples, com poucos fonemas, mas estava longe de ser rudimentar. Encarou Sandelon, esperando uma resposta.
Tudo o que ele conseguiu balbuciar foi: não me coma.
A maior demonstração que Sandelon poderia ter de que aquela espécie era uma forma de vida inteligente foi a misericórdia. Era sinal de que havia entendido a mensagem. Uma criatura irracional o teria destroçado, com aquelas garras e dentes. Em vez disso, continuou a se comunicar. Estava tentando estabelecer um diálogo com Sandelon. Mas antes que ele pudesse pensar no que responder, a criatura saltou para o alto de uma das enormes plantas que havia no local, em uma velocidade e com uma habilidade que desafiavam a lógica rasa de Sandelon.
Não só se tratava de uma forma de vida inteligente, como era, certamente, um organismo superior e mais sofisticado. Sandelon ficou olhando embasbacado para a figura negra, que ainda o estudava com curiosidade lá do alto, e, de repente, achou injusto que houvesse no Universo uma espécie tão privilegiada quanto aquela.
Então é isso. A história de que a nossa existência é o centro de tudo não passa de uma grande mentira. Não estamos sozinhos no Universo.
Sandelon estava tão imerso nesse pensamento que nem se deu conta da ameaça que se aproximava. Tudo o que conseguiu ver foi uma criatura muito maior, bípede, carregando uma arma enorme e falando em uma língua ainda mais estranha. Então foi atingido por um tiro e tudo ficou embaçado.
Agora sim, estava diante da forma dominante daquele planeta.
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As cigarras cantavam alto, mas Estefânia nem ligava mais. Era normal, ainda mais no fim de uma tarde quente como aquela. O que não era normal foi o clarão que borrou o céu por uma fração de segundos. A garota chupava uma manga quando isso aconteceu, e ficou olhando desconfiada para o horizonte.
– Diacho.
Foi lá ver o que era, não sem antes pegar sua espingarda de chumbo. Atravessou o matagal diante da casa e caminhou fazenda adentro, em direção ao local onde viu a luz. Quando chegou perto, viu que um bicho tentava pegar seu gato, que já tinha subido em um galho do pé de maracujá.
– Arre, espera aí, Celestino, que eu já tiro essa coisa daí!
Atirou sem pestanejar. Sabe-se lá que coisa era aquela. Não ia chegar perto a menos que o bicho não se mexesse mais. Avançou no mato alto até o lugar onde ele estava caído. Era uma criatura bizarra. Tinha metade do seu tamanho, o rosto alongado, o corpo curvado como a lâmina da foice de roçar mato. Coisa feia dos diabos. Definitivamente, não era humano, mas Estefânia não sabia que animal era aquele. E olha que de animal a garota entendia.
Alguns acreditavam que pudesse existir vida inteligente em outros planetas. Mas Estefânia sabia que era besteira. Trepou na árvore, pegou o gato e rumou para casa despreocupada. Por mais estranha que pudesse ser aquela coisa, não podia ser um alienígena. Essas coisas não existem.
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Fotografia da capa: encontro de galáxias, via Nasa Creative Commons