O último livro do ano

A primeira coisa que fiz quando terminei de ler o livro do Alex Castro, Onde Perdemos Tudo, foi procurar sobre Jácome Gol. Um escritor que tem forte influência sobre o último conto do livro, A Falta Que Nos Fazem Os Figos, além de ser autor do livro Quando Morrem Os Pêssegos, que dá nome a outro conto. De acordo com o próprio Alex, Gol é “um autor brasileiro menos conhecido”, mas desconfiei mesmo assim. Alex é daqueles escritores que levam a ficção ao extremo. É admirável e, ao mesmo tempo, assustadora a forma que ele faz você acreditar em qualquer coisa que ele escreva.

Alguém não pode ser um escritor se não consegue convencer seus leitores. É o que a gente espera quando pega um livro para ler: que o escritor consiga sustentar sua mentira durante as quinhentas e oitenta e cinco páginas e além. Onde Perdemos Tudo não tem tudo isso, claro. É uma leitura rápida, por ser um livro curto e agradável. E também não é nenhuma mentira: as histórias falam sobre algo que é bem real na vida de todos.

Essa veracidade das histórias, mais do que o tema da coletânea de contos – a perda, foi o que me chamou a atenção. Poderia jurar que conheço o personagem-narrador do conto A Morte do Meu Cachorro. Além do mais, o livro já começa com um conto onde eu mesma sou uma personagem. Na verdade, é a dedicatória.

Querida Aline,
Espero que tenha chegado bem. As crianças já estão na cama. Eu saí pra comprar cigarro e já volto. Por favor, não esquece de tirar o lixo e passear com a Lulu. Devo voltar antes das onze. Te amo. Do seu marido, Alex. SP, 23/11/2008

E é assim, com relacionamentos que se acabam, despedidas, mortes e outras perdas que o livro continua. Encaramos, de uma só vez, as situações mais difíceis de se encarar. Muitas pessoas – a quem eu indicaria fortemente a leitura deste livro – não conseguem lidar com a perda. Não aceitam, não superam, não se desapegam. Acabam se perdendo. Porque, apesar da evidente contradição, a vida não está completa enquanto não perdemos algo. O emprego, o cabelo, os amores, os amigos, o dinheiro, a vergonha, a fé, uns quilinhos, os pais, as chaves de casa, o último capítulo da novela, a virgindade, o ônibus, o jogo, a vez, as vistas, os dentes. Ser adulto é isso: engolir o choro e aprender a perder. Sobre essa maturidade, Alex Castro escreveu A Morte do Meu Cachorro, que começa assim:

A infância acaba, disse alguém, quando morre nosso cachorro.(…) Amigos humanos têm outros afazeres e outros amigos. Um dia, seus caminhos se descruzam e cada um vai viver sua vida. Talvez nunca mais se vejam. Um cachorro, entretanto, só tem o dono e seus caminhos são coincidentes: a vida do cachorro é a vida do dono e ele sempre ficará ao seu lado, até morrer. Então, com o fim, absoluto e irrecorrível, da amizade mais sincera que pode existir, a infância acaba.

nullTambém vemos, neste e no conto com o mesmo nome do livro, a diferença entre o fim de uma amizade e de um relacionamento amoroso. Amores, como o de Ramiro e Jáque, terminam de forma dolorosa, mal-explicada e abruptamente, deixando no lugar um passado incômodo e um presente confuso. Amizades não precisam terminar de fato pra gente saber que acabou. A vida se encarrega de distanciar as pessoas antes que elas percebam que a vida delas se descruzaram e, mesmo que se cumprimentem sem ressentimentos de ex-namorados, já não têm mais assunto. “Será que não percebem o quão ameaçador é o silêncio de quem já disse tudo, de quem já partilhou tudo?” Mas só porque essa perda acaba sendo mais natural que a outra, não significa que seja mais suportável. Afinal, a morte também é uma perda bastante natural.

Certamente, o tema rende. Quem sabe não sai um segundo livro com mais contos? Enquanto isso, fico no aguardo do lançamento, previsto para 2012, da reedição de Quando Morrem os Pêssegos, de Jácome Gol.

Foto da capa: Will Langenberg, via Unsplash


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