Com a chegada da TV na minha casa esses dias, e com o livro que estou lendo agora, “A Televisão na Era Digital”, de Newton Cannito, tenho pensado bastante sobre novelas. Não sou fã de novelas. Não gosto da forma com que são escritas. Gosto menos ainda da forma com que são interpretadas. Além disso, elas têm servido algumas vezes como ferramenta para alimentar preconceitos e a ignorância do público. Mas sejamos justos: não se pode menosprezar o que é, para muitas pessoas, o único contato com a arte de contar histórias.
Das últimas vezes em que sentei na frente da televisão e sintonizei em alguma novela, prestei atenção em alguns detalhes. Tanto na narrativa, quanto na linguagem visual. Acho que você também já deve ter percebido.
Diferente da maioria dos seriados com os quais me acostumei nesses últimos anos, as novelas têm apenas alguns planos básicos. Planos gerais de cenários, que são mostrados, normalmente, de apenas uma perspectiva (você nunca vai ver o outro lado da sala), planos médios para enfatizar a ação dos personagens, e planos em close na hora dos diálogos (um rosto de cada vez, sempre deixando de costas o personagem com quem se fala).
Outra característica marcante são as cenas rápidas (os cortes logo dão lugar a outras cenas, com outros personagens), e sempre baseadas no diálogo ou em expressividade extrema. Pode reparar. Os personagens estão sempre conversando sobre sentimentos, sobre a relação que existe entre as pessoas na trama, sobre o vilão que matou não sei quem e eles precisam desmascarar (eles se ocupam mais disso do que a própria polícia). Ninguém resolve nada por telefone ou por e-mail: as intrigas só acontecem presencialmente, as pessoas só se falam quando se visitam ou se encontram por acaso.
Todas as emoções são vividas ao extremo. Quando choram, fazem escândalo. Quando se apaixonam, morrem de amores. Quando gesticulam, quase fazem mímica.
Qualquer semelhança com o teatro não é mera coincidência. Os diálogos que conduzem a história são um bom exemplo da influência da linguagem teatral, que também está presente no jogo de câmeras: os planos usados simulam a perspectiva do espectador em relação ao palco.
O mais interessante mesmo é a construção dos personagens. Novela vai, novela vem, e alguns personagens parecem os mesmos de histórias passadas. Dejá vu? Podemos dizer que é preguiça do autor, que prefere apostar em formulinhas, ou que não sabe criar personagens mais complexos. Mas isso já é algo feito desde o século XV, quando surgiu na Itália o gênero Commedia Dell’Arte, que digamos, é o bisavô das novelas como conhecemos hoje.
Você só precisa assistir a um episódio de uma novela para ver nos personagens as “máscaras” que eram usadas na Commedia Dell’Arte. Os enamorados (claro), o arlequim, a colombina, o velho avaro, o covarde que se faz de valente, etc. Estão todos lá. E todas as histórias surgem mais ou menos do mesmo tipo básico de personagens. Só muda os atores. Quer dizer, o papel do comelão que fica com todas na novela é sempre do Zé Mayer.
Além disso, a novela usa e abusa da verbalização (aqueles diálogos óbvios e repetitivos) porque ela tem muito em comum com o rádio. O público que assiste novela geralmente faz outras coisas ao mesmo tempo: arrumar a casa, cozinhar, passar roupa. Eu costumava desenhar enquanto “assistia” a uma das últimas novelas que lembro ter acompanhado: O Cravo e a Rosa, uma adaptação de Walcyr Carrasco para a obra de Shakespeare “A Megera Domada”. Quando você não está olhando o tempo todo para a tela, as falas ajudam bastante a entender o que está acontecendo.
Em seu livro, Newton Cannito dá algumas pistas para entender porque as novelas brasileiras são do jeito que são:
A criação dos breaks de intervalo e o hábito do público de mudar de canal com o controle remoto recuperam a necessidade de constantes atrações no conteúdo e de personagens e histórias simples, que possam ser imediatamente reconhecidas, num modelo mais próximo ao seriado e às histórias populares.
Por isso, acho importante ver as novelas com um novo olhar. Imagina o malabarismo que é escrever novelas tendo em mente todas as limitações da mídia. Ao mesmo tempo, os autores podem acompanhar a reação do público enquanto escrevem, e assim mudar os rumos da história em uma experiência interativa, mais ou menos como jogar RPG.
Depois de ver tudo isso, você pode até continuar detestando novela, mas precisa admitir que de pobre essa cultura não tem nada. É claro que existem novelas boas e ruins. Mas não podemos achar que as novelas precisam ser iguais a seriados ou filmes para serem boas no que foram criadas para fazer: contar histórias.
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Foto da capa: Joseph Flickr // flickr creative commons