O que posso dizer sobre Lost sem ser, de cara, passional demais? Foram seis anos de uma história que fez jus ao seu nome do início ao fim. Começou com personagens perdidos em uma ilha, que depois ficaram perdidos no tempo, fazendo a série perder audiência, sem antes deixar os fãs perdidos no meio de tanto mistério, terminando com roteiristas mais perdidos que todo mundo até agora – e com o sentimento que a gente perdeu tempo assistindo.
A série dividiu opiniões e foi uma divisora de águas, sendo a percursora de uma mudança na forma de pensar e consumir entretenimento. Ok, até pode não ser um bom exemplo de fechamento de narrativa, que definitivamente não correspondeu a todo o potencial que a série possuía no início, mas sem dúvidas Lost foi um dos cases mais bem sucedidos de transmedia storytelling. Não tiro a razão de quem esbraveja contra a habilidade narrativa dos condutores da história (até porque faço parte do time que nutre um sentimento de revolta desde que começou a última temporada), mas é inquestionável: há algum mérito em fazer com que uma pessoa permaneça ligada a uma série televisiva durante cinco anos consecutivos e VIVA (sim, viva, e não apenas assista) uma história com tanta intensidade durante todo esse tempo.
Não vou chover no molhado e ficar discorrendo longamente sobre cada furo da sexta temporada e sobre o nível juvenil da narrativa. Só quero expor uma análise dos pontos principais, sob a perspectiva da narrativa (além de deixar claro que detestei e que não houve um momento em que não pensei que a autoria do roteiro houvesse sido passada para um grupo de adolescentes com sério déficit de neurônios. Essa de purgatório e igrejinha no final para irem juntos para o céu não colou. Por mim, se os jovens da Caverna do Dragão se cruzassem com os heróis de Lost para todos irem juntos para casa, o final ia ser muito mais convincente).
Apesar de já estar meio capenga na quinta temporada, acho que a história podia ter terminado por ali mesmo, com a explosão da bomba H. Não ia ter respondido metade do que a sexta temporada tentou porcamente fazer, mas ia ser um final digno. E convenhamos, ia fazer mais sentido.
Acredito que o maior erro dos roteiristas foi tentar explicar todos os mistérios que haviam criado para a ilha. A pressão devia estar forte para o lado deles, pois o dinheiro está sempre no banco do motorista e os produtores executivos precisavam chamar de volta os espectadores, com a promessa de que todos teriam as respostas que queriam. Tá certo que era uma expectativa geral, todo mundo assistia o capítulo seguinte na esperança de encontrar uma explicaçãozinha que seja, mas as coisas eram melhores quando NÓS, os espectadores, chegávamos nas respostas. Na sexta temporada, o caminho se inverteu, e foram as respostas que começaram a chegar até nós, de uma forma bem forçada, diga-se de passagem. Saber construir, e acima de tudo, manter perguntas na cabeça do espectador é a principal arte de quem escreve suspense. E é uma linha tênue: perguntas demais confundem e aborrecem o leitor, sem falar que podem acabar em frustração se não forem satisfatoriamente respondidas no desfecho. Eu particularmente, acho muito mais provocante e envolvente uma história que deixa um final em aberto, para que eu participe da história com a minha própria imaginação. E quantas perguntas eles não trocaram por respostas rasas, quando não por sumários pontos finais?
O que nossos ilustres escritores lostianos fizeram foi justamente o que todo mundo faz quando já não consegue explicar nada racionalmente: parte para o mítico, o sobrenatural. Lost era a representação perfeita do gênero sci-fi fantasy, equilibrando bem essas duas vertentes até desandar e deixar o sci-fi perdido no meio do caminho, provavelmente em algum dos lapsos temporais decorrentes dos soluços espaço-temporais da ilha. Se essa historinha de céu e purgatório já não colou, imagina então o Jacob, que fez papel de figura divina da ilha, como protetor de uma espécie de fonte sagrada da vida . Perceba que essa consciência de que existia uma força poderosa na ilha já está presente desde o início, e apenas se reforçou na segunda temporada, em que apareceu a Iniciativa Dharma. Tanto nesta fase quanto no final, temos essa fonte de “poder”, alvo de muita cobiça e envolta de mistérios. A diferença é que no início esse mistério dava muito mais pano para manga, e ao mesmo tempo em que nos enchia de perguntas, ia mostrando o significado e o porquê daquilo tudo, através das experiências científicas envolvendo eletromagnetismo, meteorologia, parapsicologia e zoologia (sim, eu sou uma fã da fase Dharma); enquanto no final a “grande explicação” se resumiu em dizer que todo esse poder vinha de uma gruta com uma água mágica e uma rolha que se tirada do lugar destruíria a ilha e libertaria todo o mal. Totalmente desnecessário.
Outro grande ponto que a série tinha conseguido desenvolver, até estragar tudo na sexta temporada, eram os personagens. A relação entre eles, a motivação de cada um e a relevância deles para a história, era tudo muito consistente. Poucas vezes tive contato com personagens tão profundos e bem construídos quanto os sobreviventes do vôo 815, assim como os Outros (afinal, Juliet e Ben figuram entre os melhores personagens da série na minha opinião, juntamente com Desmond e Faraday). Mas para que eles se perdessem (no sentido narrativo) foi um pulo. O casal Jin e Sun teve uma participação inexpressiva, Sawyer não deixou nem pálida sombra do que já foi um dia, Ben abandonou os mind games que o consagraram como vilão dos bons e velhos tempos de Dharma, Richard (ou Ricardus) mostrou ser nada mais que um cagão que nunca teve relevância no grande esquema da ilha, Sayid virou um zumbi (ponto), e nem Widmore cumpriu as expectativas do personagem poderoso e com moral para acabar com toda aquela história que ele parecia ser. Tudo isso para que Jack pudesse aparecer mais, e olha que ele conseguiu ficar ainda mais seboso e cansativo do que já era.
Aí vai a gota d’água: o detalhe é que os roteiristas não sabiam o que estavam fazendo. Rá, e todo mundo achando que eles tinham tudo friamente calculado desde o início. Coisa nenhuma. Olha só essa entrevista que encontrei, com JJ Abrams, um dos roteiristas e criadores da série:
O final da série é aquilo que você pensou que fosse ser desde o início?
JJ: Ah, de jeito nenhum! Há pequenos temas e elementos espalhados, mas a verdade é que quando começamos não sabíamos exatamente o que havia na escotilha. Tínhamos ideias, mas não sabíamos até onde poderíamos explorá-las. A noção sobre o papel dos Outros existia, mas não sabíamos exatamente o que eles significariam. Àquela altura Damon ainda não havia tido a ideia do flash forward. Ver onde chegamos e o que eles criaram é muito gratificante e algo que ninguém poderia prever no início de tudo.
Certamente haviam inúmeras possibilidades de terminar melhor essa história. Mas assim como eles não puderam prever o futuro da série, também não é possível voltar no tempo e tentar consertar a lambança. E para o fim dessa era Lost, que vai deixar muita saudade de uma história bem contada, assim como muita revolta de um final mal contado, só tenho uma coisa a dizer:
See you in another life, brotha.