Assumindo…

[Publicado originalmente em 18 de janeiro de 2009]

Definitivamente não foi uma escolha minha. Se fosse, eu teria escolhido algo que me fizesse sentir bem, algo que eu conseguisse fazer mantendo uma freqüência regular que não me machucasse com tanta exigência. Mas aí, quando me perguntaram o quê eu realmente queria fazer (já que eu reclamava tanto disso), não soube exatamente o que responder.

Na última festa que fui, reuni-me com alguns novos amigos. Foi mais interessante ficar ouvindo as histórias que eles tinham para contar do que arriscar uma participação mais central. Não é meu forte contar histórias sobre mim, e é o que se espera nesse tipo de confraternização. Enquanto eu estava ali ouvindo, e tomando nota mental de qualquer detalhe que pudesse ser interessante usar depois, percebi que estou mais envolvida com isso do que eu realmente gostaria.

Muito prazer, meu nome é Aline. E sou uma escritora.

Talvez eu sempre soubesse disso, mas como geralmente é uma coisa estranha de se dizer, algo estranho de se declarar (ao menos que você já tenha pelo menos um Best Seller publicado), foi algo que tive que assumir (dolorosamente) com o tempo, especialmente com um diálogo que tive há algum tempo.

-Eu não sou muito boa nisso. Não sou boa o suficiente para ganhar dinheiro com isso. Muitas outras pessoas fazem design melhor do que eu. Muitas pessoas fazem desenho profissional de uma forma que eu nunca vou conseguir. Eu ia achar muito legal trabalhar como redatora ou na parte de planejamento, mas ainda é muito cedo para que eu consiga.

-Então… O que você realmente quer fazer?

Aquela era uma pergunta difícil, mesmo para uma pessoa que sempre acreditou ser movida por suas melhores convicções. Mas não era uma pergunta tão simplista que iria me pegar. Não mesmo.

-Quero trabalhar para mim mesma. – Naquela hora até pareci triunfante. Cheguei até a acreditar que era a resposta que eu precisava encontrar para a minha vida decadente e sem estilo fazer algum sentido.

-Ah, mas isso é muito vago. Trabalhar pra você mesma fazendo o quê? Desenhando? Criando para publicidade? Escrevendo? Fazendo projetos? Você tem que saber o que você quer.

Quase perguntei de volta se ele sabia o que queria. Ser versátil às vezes é dureza, e ele também sabe disso. Eu pensei em responder que o queria mesmo era escrever. Poder viver disso. Eu ainda não sei exatamente como é possível viver disso sem precisar ser muito famosa… Mas foi o que pensei na hora, não me recriminem ainda.

-Talvez eu devesse ser só dona de casa.

Essa conversa acabou mais ou menos por aí. Mas as outras conversas continuaram dentro de mim, enquanto na festa eu invejava a forma como as pessoas pareciam tão misteriosas e inteligentes contando histórias daquela forma, fumando como se fosse um ato sexual. Eu apenas prestei atenção, ouvia as histórias, soltava comentários assertivos pouco relevantes, apenas porque fazia parte de ouvir.

Comecei a me sentir incomodada com algo em mim. Como se eu fosse uma farsante. De tudo que eu sabia sobre escritores, era quase certo que fumar fazia parte do processo criativo (ou era algo como uma afirmação pessoal necessária para intimidar as idéias certas). Então… era isso. Eu não conseguia me dizer escritora, pois, além de escrever, eu precisava fumar, beber, ou consumir algum outro tipo de droga qualquer, e ter histórias para contar quando outras pessoas estivessem lá para ouvir. Céus, nem café eu bebo. Além do mais, sempre acreditei que um bom escritor devia ter pelo menos um gato (Neil Gaiman adora falar dos seus, por exemplo), mas de alguma forma, isso ia contra os meus princípios.

E além do mais… o que eu andava escrevendo nos últimos tempos? Alguma coisa? Revirei meus arquivos e vi uma série de pastas com tudo o que restou de coisas antigas, muitas jamais lidas por ninguém além do meu olhar crítico e reprovador, que costuma deletar dois parágrafos enquanto escrevo um. É uma média desanimadora.

Mas eu precisava fazer algo a respeito. Alguém que não fuma, não consegue contar histórias em festas, não consegue se dizer escritora (muito menos outra coisa qualquer), não bebe café, não tem um gato e não consegue acabar suas histórias precisa tomar atitudes drásticas.

A primeira delas foi me apresentar como uma escritora, bem ali, no início do post. Já que não há melhor forma de definir alguém que escreve (seja lá o que for) como escritor. Então não me julguem mal; não tenho nenhum Best Seller publicado.

Jurei para mim mesma no início do ano (seres humanos de recesso não podem ser considerados aptos para ponderar o que devem ou não fazer em promessas de ano novo) que iria ser menos criteriosa e escrever qualquer história de merda que me viesse à cabeça (eu já comecei uma, e não me lembrava que eu conseguia digitar tão rápido até escrevê-la numa noite qualquer).

Daí o blog, que nesta questão é praticamente uma regra de três (a solução para todos os problemas), surge como o escape de todas essas idéias, para que o fim delas não se resuma a ficarem esquecidas e intocadas em uma pasta no meu computador. Com isso, abro mão do meu olhar crítico e reprovador para adotar o olhar crítico e reprovador de terceiros, que não é necessariamente melhor, mas pelo menos não apaga dois parágrafos a cada um que eu escrevo.

Depois dessa experiência, não sei se poderei dizer que sou escritora com tanta ênfase. Não sei se poderei dizer que amo fazer isso. Definitivamente, não foi uma escolha minha (acostumem-se, adoro repetir frases durante os textos), e não é algo que eu considere prazeroso. Escrever é um ato de angústia, é trabalhoso moldar a imaginação esteticamente para que possa ser transmitida aos outros, é um saco se sentar na frente do computador com um monte de idéias na cabeça que você não vai conseguir definir. E é ainda pior quando você não fuma para pelo menos manter alguma pose de criativo; acredite.

Mas se quiserem me convidar para festas, sim, eu vou com todo prazer.

Foto da capa: Abhi / Flickr Creative Commons


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