Os “pró-vida” (que convém chamar do que realmente são: anti-escolha e anti-mulheres) são ferrenhos defensores dos embriões e fetos (que a eles convém chamar de crianças e bebês, embora não sejam).
Eles amam os fetinhos. Eles fazem bonecos de fetinhos e distribuem pelas ruas para mostrar como eles são fofos. Eles querem que todas vejam os fetinhos como eles veem: como bebês prontos, como seres humanos que sabem até rezar, como algo mais que um amontoado de células. Eles querem salvar os fetinhos.
Mas sabe por que os “pró-vida” gostam tanto de fetos?
Porque fetos e embriões são incapazes de fazer escolhas. E os “pró-vida” simplesmente não suportam a ideia de pessoas fazendo escolhas com as quais eles não concordam, ainda que eles não tenham absolutamente NADA a ver com essas escolhas. E se essas escolhas são de uma mulher em relação ao seu próprio corpo, os “pró-vida” não se aguentam: têm tremeliques, babam, gritam, têm ataques de nervos. Cruzes!
Fetos e embriões não contrariam as crenças dos “pró-vida”. Fetos e embriões não fazem questionamentos incômodos. Afinal, fetos e embriões não viveram o suficiente para desenvolverem consciência ou pensamentos. E pensamentos de pessoas reais, nascidas, completamente formadas, podem ser problemáticos para algumas religiões que precisam de obediência, que querem porque querem que todas as pessoas sigam suas regrinhas.
Fetos e embriões seriam o ideal de ser humano justamente por ainda não terem vivido o suficiente para tornarem-se seres humanos de verdade. Fetos e embriões não viveram o suficiente para serem homossexuais ou transexuais. Fetos e embriões não viveram o suficiente para serem uma mulher que faz sexo. Ou ateus. Ou pagãos. Ou feministas. Ou prostitutas. Ou qualquer tipo de pessoa que os “pró-vida” se empenhariam em consertar, em curar, em converter. Em condenar. Em reprimir.
É fácil defender os fetos, porque não são seres humanos, não são pessoas, são amontoados de células passíveis de virar uma abstração no imaginário dos “pró-vida”, podendo ser moldados como eles bem entenderem. Difícil é defender a vida de pessoas que fazem escolhas, que vivem e pensam de uma forma diferente.
É fácil amar um pedaço de DNA que é uma folha em branco, uma promessa de um ser humano simpático, mas que ainda não é nada. Difícil é amar e aceitar uma pessoa de verdade, com personalidade, com cara, com cor, com cheiro e com ideias que muitas vezes vão divergir das suas.
É fácil defender os fetos, dotando-os de uma humanidade que eles não têm. Difícil é ver as mulheres que os carregam como algo mais que incubadoras. Difícil, difícil mesmo, é reconhecer nas mulheres uma humanidade que tem sido arrancada de nós.
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1. Já repararam que o fetinho defendido pelos “pró-vida” em seus cartazes, imagens e montagens geralmente é branco e menino? Pois é. Apenas reparem.
2. Vale deixar claro: não tenho nada contra fetos, não mesmo. As pessoas mais legais que conheço já foram fetos um dia. O que me deixa apavorada é gente quem mostra mais empatia por algo que nem é um ser humano ainda do que por mulheres de verdade. Isso me tira do sério.
3. “Ain, como você pode ser a favor do aborto? Monstra!” Ninguém é a favor do aborto. Deixem de ser tão desonestos. Se você é desses que diriam isso, apenas faça o favor de ler o tópico 12 deste texto.
4. Neste texto eu falei especificamente sobre a questão do aborto em mulheres cis, sendo que mulher cis = pessoa que nasceu do sexo feminino e foi socializada e se identifica com o gênero feminino. Obviamente, pessoas fora do binário de gênero também são afetadas pelas questões de direitos reprodutivos.
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Fotografia: lunar caustic // Flickr Creative Commons